O ambiente das aeronaves em voos, sobretudo internacionais, tem seu lado gozado e pitoresco. Não tão cômico aos que sofrem com medo de avião, para quem uma viagem dessas costuma ser sempre um suplício. Mas, nos trajetos de longa distância há situações bem curiosas.
Por serem demorados, ao longo de várias horas existe muito o que se observar durante as diversas fases do trajeto. Algumas rotas mais extensas, como as que já percorremos para a Oceania, chegam a mais de 14 horas. E como me lembro de que, nem nesses, o cronista Carlos Romero sentia qualquer tipo de receio. Pelo contrário, costumava dizer: “eu adoro avião”. E assim foi à Austrália e três vezes à Nova Zelândia. Dessas experiências tirava proveito para as observações e reflexões sobre o comportamento humano, algumas transformadas em deliciosas crônicas de viagem que pôs nos livros "Viajar é sonhar acordado" e "O Papa e a mulher nua".
Voltemos às aeronaves. No início dos voos intercontinentais, o clima, em geral, tem certo glamour. As pessoas ainda estão arrumadas, cheirosas, bem-vestidas e entusiasmadas. Algumas já bem encasacadas, sem a menor necessidade. No decorrer do tempo vêm as transformações, sejam de humor ou de aparência. Caras, roupas e cabelos amassados, alguns de mau humor, tudo com jeito de noite mal dormida.
Os toaletes são tremendamente incômodos. Mesmo nas classes especiais. Esse item talvez seja o único que não recebe upgrade no nível de conforto. Exceto, quiçá, nas colossais aeronaves das companhias Emirates e Qatar, nas quais o luxo agressivamente abunda e esnoba.
Num dos trechos de nossa última viagem. estava eu à espera de que o lavabo desocupasse. Logo em seguida, chegou mais um rapaz, e depois uma moça naturalmente bonita. Sem enfeites nem pinturas. Lembrou-me Candice Bergen e seu nariz hiper-afilado.
Logo me compadeci. Puxa, essa moça vai esperar esses dois marmanjos, eu e o outro, para ter a sua vez - pensei… E veio-me a intenção de ceder-lhe passagem. Mas, contive-me, não deveria fazer isso pois prejudicaria o rapaz, a não ser que eu também lhe desse preferência à saída da moça bonita.
Conjecturas à parte, é sempre delicada a situação de conceder a sua vez a outrem numa fila de várias pessoas. Afinal de contas, é uma decisão que afetará o direito de quem está imediatamente atrás. A rigor da justiça, quem cede o lugar deveria ir para o final da fila.
Por sorte, o rapaz desistiu e saiu à procura de outro toalete. Então, quando a porta se abriu eu ofereci a minha vez à sósia de Candice. No primeiro instante, ela delicadamente recusou, mas, perante o meu simpático “por favor”, aceitou.
Fiquei imaginando se ela seria brasileira, espanhola, sueca, africana, egípcia… afinal seu perfil se enquadraria em qualquer etnia, dúvida boba que diante de sua beleza fez-se absolutamente secundária. Coisas de quem espera...
Ela demorou-se pouco. Ao sair, despediu-se esboçando um sorriso tão lindo quanto o rosto, e um suave: “obrigada”! Percebi, então, que era brasileira.
Evidentemente que algumas pessoas notaram a minha gentileza. Espero que não tenham pensado que fui cortês porque me lembrei de Candice Bergen, de quem sempre fui fã. De forma alguma! Qualquer mulher que ali estivesse faria jus à minha generosidade. Que foi, aliás, muito bem retribuída. Por alguns minutos ganhei a oportunidade de promover uma cortesia e ainda ser premiado com um cândido sorriso.