Era um radinho pequeno, cabia na palma da mão. Compreio-o seminovo de um colega da quarta série do curso ginasial ministrado no Colégio Santa Júlia, bairro da Torre. Depois disso, nos viria o Liceu Paraibano. Aquele aparelhinho captava sinais em ondas médias e curtas antes que os de frequência modulada surgissem e se popularizassem. O meninote saudoso do interior, que então eu era, o teve por bom tempo na conta de um amigo inseparável. Um amigo com transistores e pilhas, posto que os de carne e osso ainda
me faltavam na cidade onde eu mal acabara de desembarcar.
Pois bem, sentado no muro baixo em frente da casa nova, eu me punha na sintonia de emissoras sucessivas. A Rádio Jornal do Commercio, instalada no Recife, trazia-me vozes conhecidas como a de Geraldo Liberal, locutor e radioator, meu herói do tempo de menino quando na pele de “Jerônimo”, a novela com tiros, sopapos e cavalgadas, algo como um faroeste sertanejo. O som da Nacional, do Rio de Janeiro, ora subia ora descia como se tangido pelo vento. Assim, também, o da Tupi com irradiações do futebol. Foi quando eu aprendi a gostar do Fluminense.
As emissoras locais me apresentavam gente como Paulo Rozendo, o insubstituível apresentador do “Informativo Tabajara”, programa com tamanho e formato do icônico “Repórter Esso”, o primeiro noticioso do radiojornalismo brasileiro originariamente transmitido do Rio e São Paulo por nomes legendários. Incluamos, neste caso, Luís Jatobá, Heron Domingues e Kalil Filho. Aqui, das minhas vizinhanças, também me falavam Paschoal Carrilho, Gilberto Patrício, Marconi Altamirando, Otinaldo Lourenço e Francisco Ramalho, estes dos quais mais lembro.
Passado algum tempo, as idas ao Mercado da Torre me propiciaram a amizade com Manuca, um camarada impressionante. Proprietário de pequeno box para a comercialização de cereais, ele se graduou em economia depois de adulto e terminou seus dias como agente fiscal, cargo para o qual o Governo da Paraíba ainda hoje dispensa um dos seus melhores salários.
Foi Manuca quem me ensinou a sintonizar emissoras em ondas curtas. Fez mais do que isso: deu-me a frequência da Estação das Alegrias, uma rádio holandesa com transmissão em português. A programação favorecia o intercâmbio entre pessoas do mundo inteiro. Manuca, por conta disso, correspondia-se em inglês com uma garota da Suécia. E, a pedido meu, fez com que ela me encaminhasse o nome e o endereço de uma amiga sua. Resultado: eu e Margareth, minha correspondente sueca, trocamos cartas, cartões de festas e fotografias por bom tempo. Isso mesmo, tivemos o rádio a serviço do congraçamento. Numa véspera de Natal, o carteiro bateu à minha porta com uma caixa em que poderia caber um panetone. Ali dentro, feito por ela, estava um bolo de arroz duro como um cacete. O tempo de viagem desde o norte da Europa o desidratara.
Preciso contar que não foram os aparelhos modernos, muitos com traços retrôs, o que agora me trouxe à memória o velho radinho de pilha. Foi, isto sim, a descoberta de sistemas de busca por emissoras, em escala mundial, via Internet. É coisa que vai além da mera sintonia on line mediante cliques em prefixos conhecidos. Uma pesquisa rápida deu-me conta da boa quantidade de aplicativos a serviço da radiofonia hoje à disposição de todos nós, gratuitamente, seja na tela do smartphone, seja na do laptop, ou do computador de mesa.
Nas minhas costumeiras incursões pela Internet, impressionou-me o Radio Garden. Seu acesso dispõe ao interessado todo o globo terrestre e, nele, milhares de pontinhos verdes, cada um correspondendo a uma emissora prontamente identificada por nome, cidade e país. Um close num desses pontos põe à mostra a cidade de onde os sinais são transmitidos. O que então se tem, penso eu, é fotografia colhida por satélite.
Esse brinquedo novo me faz perceber o quanto o mundo é pequeno. O fato é que acabo de me surpreender com a aproximação de menos de quatro quilômetros entre as duas Ilhas Diomedes, no estreito de Bering,
Saí dali e, em poucos segundos, cheguei aos Açores, onde a Rádio Lajes FM tocava Roberto Carlos, Caetano e Gil. Rodei o globo mais uma vez para desembarcar no ponto exato onde o bico da bota da Itália chuta a bunda da Sicília, a fim de ouvir a Studio 54. Em Islamorada, Flórida, a Crusin’ Country Radio irradiava uma balada melosa enquanto uma rumba animada soava da cubana Radio 26, perto de Havana, do outro lado do Golfo do México.
É claro que não sei o que as emissoras da China andavam a tocar e falar aos seus ouvintes, em mandarim. Mas deu para perceber que o rádio, no mundo inteiro, tem quase a mesma gramática. Falo das entonações do noticiário, refiro-me à introdução de anúncios e inserções musicais. As canções românticas têm apresentações de veludos, com vozes melosas em todos os continentes.
De volta à Paraíba, a Rádio Alternativa Difusora, de Cubati, também me veio com som local. Quando a sintonizei, o locutor recomendava um posto de combustível e fazia tocar um forró de plástico, no dizer do nosso Chico César, artista com sangue nordestino eternamente preocupado com as raízes poéticas e musicais da sua terra e sua gente.
Na noite de ontem continuei meu passeio ao acaso e, assim, fui à Rádio Araçá, instalada na bela estaçãozinha de trem de Mari, à beira da PB-051. Curioso, dei um zum naquele pontinho verde para ver a cidadezinha do tamanho de nada. Agora sim, tenho mesmo o mundo no bolso. Observo, satisfeito, que o Radio Garden não discrimina nada nem ninguém. E o recomendo aos que porventura se interessem por esse passatempo.