Cansaço
Amor: quantas palavras necessárias para que um gesto se torne inscrito no tempo? Hilton Valeriano Não me presta, não me cabe o alforje de palavras, a pretensão de um discurso; supor que a obviedade de um soluço ocupe mais que um segundo de um tempo que se desfaz e não cabe nesse cabedal polvilhado de tolices; crer que o lençol do céu decante a mediocridade. Não me cabe o sedentarismo da crença, o fervor no púlpito. Não me envaidece, não me encoraja arrastar corpos para trincheiras, escovar os pelos que agasalharam erros. Não me corteja a outra parte nua, como certa aurora apaziguada. O que gesto é um presságio que só cabe no devoluto da ausência.
Amor: quantas palavras necessárias para que um gesto se torne inscrito no tempo? Hilton Valeriano Não me presta, não me cabe o alforje de palavras, a pretensão de um discurso; supor que a obviedade de um soluço ocupe mais que um segundo de um tempo que se desfaz e não cabe nesse cabedal polvilhado de tolices; crer que o lençol do céu decante a mediocridade. Não me cabe o sedentarismo da crença, o fervor no púlpito. Não me envaidece, não me encoraja arrastar corpos para trincheiras, escovar os pelos que agasalharam erros. Não me corteja a outra parte nua, como certa aurora apaziguada. O que gesto é um presságio que só cabe no devoluto da ausência.
Tédio
Certa profundidade se demora nos olhos fechados. Sim, pesa o tempo, e cada pálpebra ressente o fulgor esquecido. O brilho repousa – ontem – cada vez mais. O nada é um cansaço que dá sono.
Certa profundidade se demora nos olhos fechados. Sim, pesa o tempo, e cada pálpebra ressente o fulgor esquecido. O brilho repousa – ontem – cada vez mais. O nada é um cansaço que dá sono.
Assim & assado
Foi ali que tentei equilibrar as cruzes mortuárias das lápides com as linhas paralelas dos trilhos, que, se não ofereciam, com seu rumo terreno, a ressurreição, ao menos faziam supor uma terra sem a peste. Herbert Farias Uma parede entre duas luas, fatias de liberdade poética. Antes assim que assado; e assado é sentença, condenação de loucura. Um escombro entre duas fronteiras. Havia uma alternativa em alguma gaveta queimada para não morrer de frio. Uma aspirina entre duas torturas.
Foi ali que tentei equilibrar as cruzes mortuárias das lápides com as linhas paralelas dos trilhos, que, se não ofereciam, com seu rumo terreno, a ressurreição, ao menos faziam supor uma terra sem a peste. Herbert Farias Uma parede entre duas luas, fatias de liberdade poética. Antes assim que assado; e assado é sentença, condenação de loucura. Um escombro entre duas fronteiras. Havia uma alternativa em alguma gaveta queimada para não morrer de frio. Uma aspirina entre duas torturas.
A simetria do caos
Há simetrias nas reentrâncias do caos. Jorge Elias Neto Desandada tristeza dizer: ― sim ― me desespero. Descobrir o que ― enfim ― conta: a boca larga da sombra onde cada um é igual à quinta parte do que lhe resta como consolo.
Há simetrias nas reentrâncias do caos. Jorge Elias Neto Desandada tristeza dizer: ― sim ― me desespero. Descobrir o que ― enfim ― conta: a boca larga da sombra onde cada um é igual à quinta parte do que lhe resta como consolo.
Cronópio
Sou o fiel depositário de um torrão de açúcar. Guardei um tanto de giz entre as unhas (pó de palavras) e essa lasca de marfim do túmulo profanado dos paquidermes. Isso basta, na trégua precária, no gargalo desse vulcão que hiberna em estado de flor. Polvilho as relíquias, pois ignoro a espessura das trevas. O inverno é longo, o bastante para que a neve reaja a esses rudimentos de liberdade extinta. Haverá um tempo de degelo, águas e correntezas; de uma outra dimensão por detrás dessa moldura vazada. Caronte aguarda o sal da terra.
Sou o fiel depositário de um torrão de açúcar. Guardei um tanto de giz entre as unhas (pó de palavras) e essa lasca de marfim do túmulo profanado dos paquidermes. Isso basta, na trégua precária, no gargalo desse vulcão que hiberna em estado de flor. Polvilho as relíquias, pois ignoro a espessura das trevas. O inverno é longo, o bastante para que a neve reaja a esses rudimentos de liberdade extinta. Haverá um tempo de degelo, águas e correntezas; de uma outra dimensão por detrás dessa moldura vazada. Caronte aguarda o sal da terra.
Os demônios
(e os cronópios)
sempre souberam
que para o sobrevivente
a primeira qualidade
do sonho
é ser corruptível.
Celebração
Rolam seixos, nuvens rasantes antecipam os passos, montes vazam da escuridão como uma promessa. Satélites tombam do céu em pane ― riscos rubros ao vento ―, incapazes de rastrear o corpo em transe, despido de sofrimento. (O disfarce da órbita é desviar-se do óbvio.) Latitudes e longitudes não reconhecem minha insignificância ― desapego. Encerraram-se as buscas e suas obtusas formalidades. Os cafés estão lotados, as ruas perversas ― distendidas ―, os corações famintos. Desço as encostas que permanecerão indiferentes; busco as cinzas contemporâneas e os cipós atlânticos. Do horizonte de um azul cambiante chega a esquadra de helicópteros de papel lançados do edifício antigo trazendo meus olhos. A serenidade possível, sem um deus, não está ao alcance dos eus idealizados, mas no sujeito cuspido e escarrado, despido de deslumbramento ― marcado.
Rolam seixos, nuvens rasantes antecipam os passos, montes vazam da escuridão como uma promessa. Satélites tombam do céu em pane ― riscos rubros ao vento ―, incapazes de rastrear o corpo em transe, despido de sofrimento. (O disfarce da órbita é desviar-se do óbvio.) Latitudes e longitudes não reconhecem minha insignificância ― desapego. Encerraram-se as buscas e suas obtusas formalidades. Os cafés estão lotados, as ruas perversas ― distendidas ―, os corações famintos. Desço as encostas que permanecerão indiferentes; busco as cinzas contemporâneas e os cipós atlânticos. Do horizonte de um azul cambiante chega a esquadra de helicópteros de papel lançados do edifício antigo trazendo meus olhos. A serenidade possível, sem um deus, não está ao alcance dos eus idealizados, mas no sujeito cuspido e escarrado, despido de deslumbramento ― marcado.