Cansaço Amor: quantas palavras necessárias para que um gesto se torne inscrito no tempo? Hilton Valeriano Não me pre...

O Estalo da Palavra (XII)

poesia capixaba espiritossantense jorge elias neto
 
 
Cansaço
Amor: quantas palavras necessárias para que um gesto se torne inscrito no tempo? Hilton Valeriano Não me presta, não me cabe o alforje de palavras, a pretensão de um discurso; supor que a obviedade de um soluço ocupe mais que um segundo de um tempo que se desfaz e não cabe nesse cabedal polvilhado de tolices; crer que o lençol do céu decante a mediocridade. Não me cabe o sedentarismo da crença, o fervor no púlpito. Não me envaidece, não me encoraja arrastar corpos para trincheiras, escovar os pelos que agasalharam erros. Não me corteja a outra parte nua, como certa aurora apaziguada. O que gesto é um presságio que só cabe no devoluto da ausência.


Tédio
Certa profundidade se demora nos olhos fechados. Sim, pesa o tempo, e cada pálpebra ressente o fulgor esquecido. O brilho repousa – ontem – cada vez mais. O nada é um cansaço que dá sono.


Assim & assado
Foi ali que tentei equilibrar as cruzes mortuárias das lápides com as linhas paralelas dos trilhos, que, se não ofereciam, com seu rumo terreno, a ressurreição, ao menos faziam supor uma terra sem a peste. Herbert Farias Uma parede entre duas luas, fatias de liberdade poética. Antes assim que assado; e assado é sentença, condenação de loucura. Um escombro entre duas fronteiras. Havia uma alternativa em alguma gaveta queimada para não morrer de frio. Uma aspirina entre duas torturas.


A simetria do caos
Há simetrias nas reentrâncias do caos. Jorge Elias Neto Desandada tristeza dizer: ― sim ― me desespero. Descobrir o que ― enfim ― conta: a boca larga da sombra onde cada um é igual à quinta parte do que lhe resta como consolo.


Cronópio
Sou o fiel depositário de um torrão de açúcar. Guardei um tanto de giz entre as unhas (pó de palavras) e essa lasca de marfim do túmulo profanado dos paquidermes. Isso basta, na trégua precária, no gargalo desse vulcão que hiberna em estado de flor. Polvilho as relíquias, pois ignoro a espessura das trevas. O inverno é longo, o bastante para que a neve reaja a esses rudimentos de liberdade extinta. Haverá um tempo de degelo, águas e correntezas; de uma outra dimensão por detrás dessa moldura vazada. Caronte aguarda o sal da terra.



Os demônios (e os cronópios) sempre souberam que para o sobrevivente a primeira qualidade do sonho é ser corruptível.



Celebração
Rolam seixos, nuvens rasantes antecipam os passos, montes vazam da escuridão como uma promessa. Satélites tombam do céu em pane ― riscos rubros ao vento ―, incapazes de rastrear o corpo em transe, despido de sofrimento. (O disfarce da órbita é desviar-se do óbvio.) Latitudes e longitudes não reconhecem minha insignificância ― desapego. Encerraram-se as buscas e suas obtusas formalidades. Os cafés estão lotados, as ruas perversas ― distendidas ―, os corações famintos. Desço as encostas que permanecerão indiferentes; busco as cinzas contemporâneas e os cipós atlânticos. Do horizonte de um azul cambiante chega a esquadra de helicópteros de papel lançados do edifício antigo trazendo meus olhos. A serenidade possível, sem um deus, não está ao alcance dos eus idealizados, mas no sujeito cuspido e escarrado, despido de deslumbramento ― marcado.

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