Nunca é demais lembrar que a vida é feita de escolhas e premências. Obrigados ou não, desejosos ou não, eu e você sempre faremos as n...

Marido na cozinha

cozinha gastronomia gourmet
Nunca é demais lembrar que a vida é feita de escolhas e premências. Obrigados ou não, desejosos ou não, eu e você sempre faremos as nossas, no transcurso da existência. E, isso, para o bem ou para o mal, o melhor ou o pior. Trocando em miúdos, somos seres mutantes o tempo todo. O que nos é prioritário tem a volatilidade do tempo e das circunstâncias.

As transformações de que agora pretendo tratar são aquelas das quais não me arrependo. São as decorrentes da caminhada ao altar com a última namorada,
do surgimento dos filhos e, sobretudo, do neto. “Pai, você não tinha essa paciência conosco”, observa o filho mais velho, vez por outra, em conversas de varanda. E assim reconheço com uma certa dose de remorso: “Tinha não”.

A ninguém aconselho a semelhança total com o moço que um dia eu fui. Não falo da adolescência, mas da fase dos estudos findos e do trabalho necessário à sobrevivência longe da casa paterna. Pois bem, aquele jovem ainda avesso ao casamento morreria de vergonha do avô que me tornei. Eu o compreendo, porém dele me apiedo. E aproveito a oportunidade a fim de avisar aos de pouca idade. Creiam: o avental os espera.

Na verdade, eu me pus na cozinha quando a mesa de bar rareou e foi substituída pelas reuniões domingueiras no santo recesso do lar. Aí, vieram a carne, o peixe, a feijoada e os quitutes necessários ao acompanhamento do chope e das doses que o garçom, anteriormente, nos servia. Nessa nova condição, influenciei e sofri a influência de amigos mais próximos, ora na minha casa ora na deles.

A partir desse estágio, minhas e meus camaradas, o pai de família se profissionaliza, especializa-se em encargos domésticos. Comecei a fazer bolos, pães e doces consciente de que isso adviria da ancestralidade: sou neto, filho e sobrinho de donos de padaria. Entretanto, percebi que hoje assim faço porque disso passei a gostar, passado o tempo.

Devo informar que me casei com uma moça prendada, com o perdão do termo em desuso por ser, na atualidade, politicamente incorreto. Às vezes, penso que a frequência das visitas que
nos fazem filhos e noras decorre do que sai das suas panelas. Mas sempre me cabe alguma participação. Quando menos, cuido da sobremesa.

Sou totalmente requerido quando das visitas inesperadas em momentos já próximos do almoço, ou da janta. Tal coisa aconteça, minha cara-metade se apavora. Contam-me, aliás, que assim ocorre a quase todas as mulheres, seres invariavelmente dispostos aos pratos mais complexos, feitos a capricho, nessas ocasiões. Se não sobrar tempo, haverá pânico.

Piloto de fogão com liberdade plena para o forno, ou a frigideira, costumo dar então conta do recado. Agora mesmo, a imodéstia me permite sugestões aos cozinheiros de ocasião, seja em decorrência das agonias da mulher, seja em razão do dinheiro curto para as encomendas nos restaurantes de pronta entrega.

Macarronada, meus caros, nunca falha. E pode passar a impressão de que vocês têm requintes que, na verdade, não possuem. Se desejam impressionar, evitem o clássico molho de tomate apanhado nas prateleiras. A massa ao alho e óleo torna-se, neste caso, uma boa opção. Um pacote de macarrão cozinhado ao ponto (nem cru nem muito macio),
três dentes de alho em lascas bem finas e douradas em pouco azeite já serão de bom tamanho. Com isso já nos pratos, disponham aos comensais o parmesão.

A prática favorece o melhoramento. Treinem o quanto puderem e não se preocupem com o glamour e as precisões dos chefs. Eles não sabem que entre nós o carinho completa o tempero. A não ser, evidentemente, que vocês não tenham os parentes e amigos que tenho. Vinho? Os de uso comum advindos de Petrolina não envergonham ninguém. Ouvi isso, certa vez, do amigo Guilherme Rabay, entendedor da matéria. Estávamos, então, numa das festas pelos 50 anos do Banco do Nordeste.

Querem, em poucos minutos, um molho de queijo para o macarrão? Pois bem, fritem na manteiga três colheres de creme de cebola (desses facilmente encontrados nas gôndolas dos supermercados), adicionem leite aos poucos, parmesão ralado, noz moscada e orégano. O creme deve adquirir consistência próxima à dos mingaus e o preparo não dispensa a experimentação contínua. A dosagem correta de cada ingrediente (sobretudo o sal) resulta do ato de provar a cada instante o que lhes vá à panela. E treinem, meus amigos. Para isso vocês dispõem em casa das suas cobaias. Lembrem-se, molho e vinho brancos nasceram um para o outro.

Vamos falar, agora, do bolo mais fácil e rápido do País. A depender da região, vai à mesa com os nomes de pudim seco, bolo mole e bolo de leite. Mas, se vocês forem nordestinos da gema, podem chamá-lo de baeta. Nas feiras livres das nossas capitais, ou do nosso interior, não cabe outra denominação.

Façam assim: ponham no liquidificador um litro de leite, três ovos, duas colheres de manteiga, uma xícara de açúcar, duas de farinha de trigo, uma pitadinha de sal e raspa de limão. Ficou ralo? Muito bom, é assim mesmo. O tempo de forno bate na casa de uma hora e meia. Vocês já notaram: o baeta não requer fermento.

Depois disso, vocês apenas terão um aborrecimento: o de observarem o sumiço de tudo em cinco minutos, posto que ninguém se contentará com uma única fatia. Mas, em troca, terão sentido o prazer do comando das formas e panelas saídas do forno e das bocas do fogão a serviço da amizade e do bem-querer. Parabéns, você alcançou o honroso e dignificante posto de marido na cozinha.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Anônimo2/8/24 07:09

    O mestre das palavras é também o mestre do fogão. E mais o marido solidário e o avô amolecido pelo afeto, doce característica avoenga. Uma crônica para ficar com água na boca e o coração tocado. Parabéns, Frutuoso. Francisco Gil Messias.

    ResponderExcluir
  2. Anônimo2/8/24 07:54

    Sempre grato, Gil. Abraço forte, Frutuoso.

    ResponderExcluir

leia também