Viralizou na internet uma trend — algo que é repetido por várias pessoas nas redes sociais. O trecho do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, se espalhou rapidamente: "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver", frase que ressalta a visão irônica do personagem-defunto do livro.
Essa trend aconteceu devido ao compartilhamento de um vídeo de uma influenciadora norte-americana que teceu elogios ao romance e afirmou que é a melhor obra de todos os tempos: "Por que vocês não me avisaram que esse é o melhor livro já escrito?" Disse encantada.
Depois desse hit nas redes sociais, o livro liderou a vendas nas livrarias físicas e virtuais do Brasil. Confesso que não fiquei nada surpreso com a admiração de um gringo com a qualidade de uma obra brasileira, porque de fato temos artistas fabulosos. O que me surpreendeu foi uma "bolha da internet" ficar admirada com a grandeza dos artistas brasileiros.
Será mesmo que precisamos de uma "certificação" norte-americana para que possamos valorizar nossa cultura, nossa arte, nossos talentos? Será que ainda nos comportamos como colonizados que anseiam o aval dos colonizadores? Quantos YouTubers brasileiros já devem ter feito vídeos em redes sociais encantados com o romance machadiano, mas não viraram hit, por não terem o peso do aval de um gringo? Ou será tudo uma jogada mercadológica, uma estratégia de vendas, um publipost para aumentar a vendas de livros?
Deixando de lado os questionamentos e a trend — já que tende a ser passageira e possivelmente nas próximas semanas os caçadores de likes e views já terão esquecido até dos vermes do cadáver — passemos para um ponto altamente relevante desta reflexão: a atemporalidade de uma obra.
Para vocês terem noção, o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado pela primeira vez em 1881, é um dos livros mais traduzidos no mundo e há séculos é considerado um clássico da literatura brasileira, sendo estudado em escolas e universidades, e, ainda assim, segue sendo redescoberto por novas gerações. Esse é o lado positivo dessa trend: o acesso à literatura, uma vitrine democrática, apresentar os clássicos aos jovens leitores.
Recordei-me até do trecho de uma entrevista de Ariano Suassuna, em que ele faz a diferenciação entre êxito e sucesso. Faço questão de transcrevê-lo:
Ariano Suassuna
"Então, eu acho que a pessoa não deve procurar o gosto da moda. Eu faço muito a distinção entre êxito e sucesso. Pegue qualquer banda de rock atual que ela faz mais sucesso que Euclides da Cunha, mas Os Sertões é um livro que é um êxito muito maior, porque no século seguinte, no século XXII, ninguém vai mais se lembrar da banda de rock, mas se lembrarão de Os sertões”.
O Brasil tem o livro como esteio para seu povo e para sua identidade como nação. Memórias Póstumas de Brás Cubas não é só uma trend, uma visualização, não é só sucesso de vendas, é um êxito, é nosso esteio, a identidade do povo brasileiro e será sempre redescoberta por gerações e gerações, mundialmente. Como bem diz nosso dito popular brasileiro: para gringo ver.