Haveria de agradá-lo muito este título. Ararunense antes de tudo. Sabem disso os que o conheceram mais de perto ou nem tanto assi...

Humberto Fonseca de Lucena, o ararunense antes de tudo

humberto fonseca araruna pb
Haveria de agradá-lo muito este título. Ararunense antes de tudo. Sabem disso os que o conheceram mais de perto ou nem tanto assim. Pois Araruna, o serrano e querido chão natal, estava em seu ser, habitava seu ser de forma profunda, declarada: nas palavras, nas memórias, nos escritos, no querer e no fazer de cada dia.

Araruna deu-lhe tudo. E ele retribuiu na mesma medida: deu-se todo a Araruna. E deu-se de uma forma mais imperecível que as obras de cal e pedra, talvez a mais perene de todas: escreveu a história da cidade, sob diversos ângulos, com o esmero que só um legítimo e amoroso filho da terra poderia
humberto fonseca araruna pb
Araruna (PB)
marcosantoniode.macedo
ter e demonstrar. E quando fazia isso – e o fez repetidas vezes, em vários livros – não era apenas história de qualidade que produzia, mas algo além, muito além, onde o rigor da pesquisa e dos documentos se misturava ao incontrolável afeto do historiador por seu objeto, como acontece inevitavelmente quando um filho escreve a biografia de um pai ou de uma mãe. É impossível, nesses casos, sabemos, falar-se em absoluta isenção científica, se é que ela existe em alguma circunstância, até mesmo nos frios e gelados laboratórios das indústrias e das universidades.

Fico refletindo: de que outra maneira, por exemplo, poderia ter Humberto escrito a história da farmácia de seu pai, verdadeiro centro médico, político e social da brejeira urbe, para onde acorriam os aldeãos e os das redondezas, em busca da saúde e das informações (inclusive as fofocas) mais recentes e fidedignas. Humberto foi criança e cresceu praticamente dentro dessa farmácia mítica, e ela impregnou-o de tal modo que chegou a determinar sua formação acadêmica e profissional. A admiração e o respeito pelo pai farmacêutico eram imensos, derramavam-se em suas conversas cotidianas. A gente percebia como ele gostava das recordações sobre o pai, a farmácia, a cidade e os conterrâneos de seu tempo. Aquilo tudo era um mundo, o seu mundo pessoal, mais importante que Paris, Londres e Nova York. E ele estava certo, tinha toda a razão.

humberto fonseca araruna pb
Severino Cabral de Lucena EMEFM
Aproximei-me dele na confraria hebdomadária de Mirabeau Dias, na qual, por benemerência do patrono e dos sócios, fui um dia acolhido para usufruir da conversa e da sabedoria dos confrades, tendo quase nada a dar em troca. Ali vi, por todos consentida, a natural ascendência de Humberto e de Wilson Marinho, os dois decanos do pequeno grupo sabático, depositários ambos de muita experiência e cultura, a completar o que eventualmente nos faltava. Um dia já antigo, ele levou seus amigos a Araruna, inigualável cicerone de sua aldeia, sem dúvida o melhor que poderia haver. Eu não participei dessa expedição, mas assisti ao filme em que Mirabeau registrou para sempre aquele momento especial. Humberto ia mostrando o presente e, ao mesmo tempo, contando o passado, recente e distante, com a ciência do historiador de escol e o sentimento telúrico do amantíssimo filho do lugar. Como ele estava feliz e orgulhoso então.

humberto fonseca araruna pb
Humberto Fonseca UFPB
Saberá Araruna reconhecer o real valor desse filho ilustre? Ilustre, sim, mesmo ao largo (e além) de cargos e de efêmeros poderes? Espero muito que sim. Mas, ao mesmo tempo, receio. Pois as cidades e os povos costumam ser ingratos para com os seus verdadeiros e profundos benfeitores. Quantos exemplos dessa universal ingratidão poderíamos arrolar. A propósito, foi preciso o trabalho árduo de Humberto para ressuscitar seu grande conterrâneo, o poeta Pereira da Silva, primeiro paraibano a ingressar na Academia Brasileira de Letras, totalmente esquecido em sua própria terra. Essa obra meritória salvou o poeta do esquecimento e certamente salvará do mesmo fim o seu autor, agora transformado em referência obrigatória em qualquer estudo sobre o bardo ararunense. Esse o poder extraordinário da palavra escrita, seja na pedra, no bronze ou no papel.

Transitando da bioquímica para a história, sempre com talento e sempre discreto, Humberto chegou ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, para enaltecê-lo com sua presença operosa. E ali contribuiu especialmente para levar,
humberto fonseca araruna pb
Modesto Siebra Coelho Acervo pessoal
entre outros, o respeitado geógrafo Modesto Siebra Coelho, um nome de peso na vida acadêmica de nosso Estado. O IHGP era uma de suas preocupações e um de seus amores maiores, ao lado da família e da terra natal.

Vindo estudar na Capital muito cedo, foi aluno fundador do antigo Colégio Lins de Vasconcelos, ainda nas instalações originais que antecederam o moderno prédio que sobrevive até hoje no largo da Igreja de São Francisco. Por isso, era também fortíssimo seu vínculo afetivo com a cidade de Nossa Senhora das Neves, da qual tornou-se um personagem atuante e incontornável.

Coloquei no início Araruna antes de tudo. Mas agora retifico. Para Humberto, antes de Araruna vinha a família, sua devoção primeira. Esse amor familial dava na vista, era anunciado explícita e implicitamente. Quantas vezes não saiu mais cedo de nossas reuniões aos sábados sob a justa alegação de que ia almoçar com a família. A esposa Carmem realçando como a grande companheira, e os filhos e netos adoçando os seus dias outonais. Teve esta felicidade – e tantas outras – o nosso amigo.

A partida desse grande paraibano e ararunense gera um vazio em lugares e em atividades diversas. É insuficiente dizer que fará falta, não fosse o clichê indesculpável. Mas que dizer e que fazer nessas horas? A vida segue, nós seguimos, enquanto Humberto sobe às alturas, de mãos limpas, ao encontro da merecida paz dos justos.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Flávio Ramalho de Brito12/8/24 06:00

    Merecida homenagem

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, Flávio.

    ResponderExcluir
  3. Gil, grande emoção de encontrar Humberto revivescido pelas suas palavras escolhidas com tanta verdade. Humberto era de Araruna, do mesmo jeito que era de seu Severino,de sua família e de seus amigos.Era irretocável em suas relações de afeto e impecável em seus deveres de cidadania.Um ser humano de raras e admiráveis qualidades.Parabéns pela sua homenagem. Ângela

    ResponderExcluir
  4. Obrigado, Ângela.

    ResponderExcluir
  5. Samuel Amaral13/8/24 16:56

    Lamentei bastante a partida do professor Humberto Fonseca. Tive a oportunidade de entrevistá-lo no ano passado para o Correio das Artes sobre A. J. Pereira da Silva. Como você muito bem citou, Gil, prof. Humberto é referência obrigatória para todos quantos queiram conhecer a trajetória do primeiro paraibano a ocupar uma cadeira na ABL. Que a memória dele permaneça viva, através de seu acervo tão precioso! Que venham outros trabalhos a recuperar e citar as contribuições tão importantes do prof. Humberto para a nossa cultura e nossa memória!

    ResponderExcluir
  6. Obrigado, Samuel.

    ResponderExcluir
  7. Obrigado, Inah.

    ResponderExcluir

leia também