Há postes acesos, luz amarela se esvaindo pelo chão das ruas recônditas. Gente sobrada da sociedade dos abastados, a...

Gaiola de ouro

sem teto pobreza injustica social
Há postes acesos, luz amarela se esvaindo pelo chão das ruas recônditas. Gente sobrada da sociedade dos abastados, as mochilas nos recantos, fumaças em tiras flutuantes e se evolando pelas rachaduras das marquises. Naquele conglomerado de esquecimento, são marcados pelas rugas da pobreza em seus rostos com expressão de choro e de dor. Sobre as calçadas esburacadas procuram se esconder na noite.

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@Vitor Nogueira_foto
Zune ameaçador o alerta vermelho do carro da ronda policial que trafega pelos becos encardidos, à procura de marginais, os sacudidos qual lixo humano à margem dos que se banqueteiam e festejam suas poupanças balofas em oferendas festivas, exageradas, acintosas a quem não teve chance na vida, aos excluídos, párias e outros adjetivos. A divisão da sociedade em abastecida e escrava da carência que não termina.

Salta robusto o policial no garbo da farda e altivo começa a fazer indagações aos enjeitados. Os policiais querem saber se eles vêm de alguma favela. “Do oco do mundo” – responde um deles. Foram expulsos pelo dono de um terreno, onde armavam seus quixós em taipa e palha. Era gente inofensiva, fugada de seus lugares, como acontecia, vez em quando, em nome da lei positiva, dura, aplicada sem tempero de equidade.

Enxotados, que fazer? Aguardar alguma providência, alguma possibilidade que os abrigasse novamente. Por enquanto, descansavam suas miserabilidades, esperando algum aceno da política social de que tanto falavam. Por enquanto, uma utopia. Porque eles gostavam da comunidade onde moravam, onde tiveram seus filhos e netos, onde
@Vitor Nogueira_foto
construíram a igrejinha de São Sebastião dos Aflitos, há muitos e muitos anos. Não houvera acordo. O dono do terreno emperrou em sua desumanidade.

Num canto de parede carcomida pela chuva e pelo tempo uma tevê ligada. Imagem suja, insegura, trêmula, borrada no colorido. No programa ia ser sorteada uma casa de porte, uma mansão exageradamente grande e dotada de piscina, áreas de lazer, apetrechos de gente rica e esnobe, enfim, linda vivenda para rico morar.

Um dos pobres, forçando um riso irônico, falou seu sonho: se pudesse ganhar aquele casarão desadorado, aquele palacete em bairro nobre de São Paulo, não iria morar nela sozinho com a família. Levaria os companheiros de sorte que o ladeavam sob a marquise. Juntos dividiriam o espaço sobrado da rica moradia. Uma esperança paradisíaca. Foi quando um deles, pondo de lado a asneira dita pelo amigo, falou alto: “E a gente iria comer o quê? Ventania? Lá no São Sebastião dos Aflitos se tinha nesga de terra para plantar e naquele palácio? Gaiola de ouro não dá de comer a pássaro...”

A contemplada foi uma solteirona, já idosa, que vivia com uma neta acompanhante. Um desperdício de sorteio. Um casarão daquele para duas pessoas.

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