Um resto de sol no desalento
Ocupo-me de uma febre sem propósito. Modos existem de forjar os dias, principiar universos, rir do descomunal segredo da vida ... Mas não nessa noite gelada em que persisto centelha. Eis a última pele ― a palavra ― que se desgarra inapta a prosseguir afirmando o esplendor da verdade.
Ocupo-me de uma febre sem propósito. Modos existem de forjar os dias, principiar universos, rir do descomunal segredo da vida ... Mas não nessa noite gelada em que persisto centelha. Eis a última pele ― a palavra ― que se desgarra inapta a prosseguir afirmando o esplendor da verdade.
Pisco*
Não se acaba facilmente com a civilização das mãos Roland Barthes Congelado, o pincel dos cílios fecha os olhos ao ilusionismo das cores. As mãos rasas ― enciclopédicas ― distraem-se do torpor na prancha de gelo. A bebida nos torna invisíveis e sagrados. E a sobriedade não permite a palavra ― amor. * aguardente andina
Não se acaba facilmente com a civilização das mãos Roland Barthes Congelado, o pincel dos cílios fecha os olhos ao ilusionismo das cores. As mãos rasas ― enciclopédicas ― distraem-se do torpor na prancha de gelo. A bebida nos torna invisíveis e sagrados. E a sobriedade não permite a palavra ― amor. * aguardente andina
Amanhecer
É setembro. escorrem as primeiras lágrimas das montanhas dos Andes, e o vento varre as entranhas do mundo, apagando as fronteiras onde repousam meus olhos . Esqueci-me de quase tudo, e um silêncio limpo me embriaga. Há que primeiro cobrir-se de branco, pois a paz é ligeira nesse remanso de gelo.
É setembro. escorrem as primeiras lágrimas das montanhas dos Andes, e o vento varre as entranhas do mundo, apagando as fronteiras onde repousam meus olhos . Esqueci-me de quase tudo, e um silêncio limpo me embriaga. Há que primeiro cobrir-se de branco, pois a paz é ligeira nesse remanso de gelo.
O Qual o papel do poeta na seleção natural?
O poeta ― atleta do abismo ― espreita o entardecer por detrás da história. O poeta ― alpinista do nada ― pendura-se na fenda do portal do tempo. Vê o branco ― o não desvio ― ― o não impulso ― e não mais se move.
O poeta ― atleta do abismo ― espreita o entardecer por detrás da história. O poeta ― alpinista do nada ― pendura-se na fenda do portal do tempo. Vê o branco ― o não desvio ― ― o não impulso ― e não mais se move.
Os livros
Os livros são meu celeiro de devaneios. Onde adormeço na dobradura do tempo ― pênsil ― , no desfiladeiro de um cotidiano que nos semeia no nada. Os livros abraçam minha loucura atordoada pelo semblante de homens dignos, sóbrios e austeros, óbvios e dissonantes. Os livros me permitem compartilhar silêncios, dissolver urgências, contagiar os dias com angústias bem-vindas. Os livros me batem na cara, me chamam de homem e me despem, sádicos.
Os livros são meu celeiro de devaneios. Onde adormeço na dobradura do tempo ― pênsil ― , no desfiladeiro de um cotidiano que nos semeia no nada. Os livros abraçam minha loucura atordoada pelo semblante de homens dignos, sóbrios e austeros, óbvios e dissonantes. Os livros me permitem compartilhar silêncios, dissolver urgências, contagiar os dias com angústias bem-vindas. Os livros me batem na cara, me chamam de homem e me despem, sádicos.
Reinício
Alheio à falsa indiferença do condor, persigo sua imagem, Deus dos homens, e corta-me a pele o cerol das ramagens.
Alheio à falsa indiferença do condor, persigo sua imagem, Deus dos homens, e corta-me a pele o cerol das ramagens.
Fração do indizível
O branco desse gelo é todo poema ― verdade possível. Entre o amor, e outras alucinações, o inefável me acena caridoso. (A grande face e sua biografia de renúncias e equívocos.) Minha distância não é exercício de retórica, apontamento de um ególatra, tons pastel despejados na boca de lobo. Não há indiferença quando parto e retribuo o aceno.
O branco desse gelo é todo poema ― verdade possível. Entre o amor, e outras alucinações, o inefável me acena caridoso. (A grande face e sua biografia de renúncias e equívocos.) Minha distância não é exercício de retórica, apontamento de um ególatra, tons pastel despejados na boca de lobo. Não há indiferença quando parto e retribuo o aceno.
*Poemas do livro Glacial (2014)