No fue un sueño, lo vi: la nieve ardía. Ángel González Compondo o sítio arqueológico A vastidão é uma pedra ...

O Estalo da Palavra (X)

poesia capixaba livro glacial jorge elias neto
No fue un sueño, lo vi: la nieve ardía. Ángel González



Compondo o sítio arqueológico
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A vastidão é uma pedra redonda e fria. Grande esfera onde deslizam e desabam as criaturas. O horizonte ‒ gelo intransponível. Daí esse tatear – essa procura. A obscura arqueologia de esconder-se. E, no silêncio, no cu desse branco profundo, aguarda, e se expande, e fulgura, o jardim das epifanias.



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Primeiro movimento
Afora a vastidão branca, nada mais resta a ser perseguido. O fogo — extinto. Saber-se de partida. Seguir o caminho do vau congelado. Segurar-se cego nas alvas tranças que pendem no absurdo.



Primeiras escavações
É necessário buscar espaço para o silêncio — ocupar-se dele. Até que nada mais sobre solucionável pela palavra. Jorge Elias Neto
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Permanecia apenas um sibilo. Ria-se o vento... A vivacidade de cada gesto — retida — afastava a paz confortável do esquecimento. E toda delicadeza não removia a neve dos olhos... A faca yanagui despregou da glande a gota de sêmen. (Primeiro fóssil.) Resgatou da solidão o vicio cuspido.



Sobre anjos e blasfêmias
Existe uma parte que se quebra. E, sem ela, receia-se
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pelo fim do todo. (Dizem-no: extinto.) Reluzem desejos na convexidade da grande esfera. Por isso videntes não a deixam tocar. E a iluminam com a castidade de seus olhos puros e atentos. Deixam cair sobre ela o que há de imaterial nos anjos e estrelas. (A ausência de peso não trinca — não lasca —, não faz perecer a perfeição do que se enseja.) Só que um toque atrevido, por delicado que seja, faz desabar o enigma (Chamam a isso: pecado).



Da construção de cidades e sentenças
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Gélidos desfiladeiros ladeando avenidas... Estruturas metálicas — andaimes — espinha dorsal de enormes geleiras que sentenciam à morte os que ignoram a cronologia do desespero.



Insignificância
Em que pese aos malefícios para o corpo, devemos arrastar a consciência de nossa insignificânciaJorge Elias Neto O azul se dissipa em tons de desespero. Os segundos corrompem nossos sonhos, e a eternidade consome toda inocência. O céu conspira dentro de mim, ponto sujo no útero da neve.



A logística das formigas
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Reparem no descaso das formigas no espelho fosco das placas de gelo. Morrem, aos montes, em fila, agarradas à impossibilidade.



A ordem natural
Vida, esse distúrbio das moléculas que se agrupam e se toleram; que despertam assombradas e se espantam no turbilhão do útero;
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que choram pela primeira vez, e se expandem à busca de esperanças; que se esquecem da inexistência de possibilidades e se acasalam; que se transformam em autômatos e digladiam com seus iguais, e se espantam, pela derradeira vez; que cambaleiam e tombam, e que não ouvem mais o desespero das carpideiras, quando, já inconscientes e verdadeiras, retornam ao estado natural de fonte energética do Universo.



Discurso para o cadáver
Teus olhos não mentem essa simplicidade em dizer: tão breve, a vida, enquanto saturamos o ar com subterfúgios e preces. Do ponto em que se parte ― se esquece ―
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o espectro da carne ― do irremediável. Da carne à cinza, do torrão de terra ao desprezível mármore ― questão alheia ― (prevalecerá a vontade do Universo). Que os vivos tratem da espessura das trevas. A você, o privilégio da dimensão onde se plantam flores. Agradeço a sinceridade azul em teus dedos, ao lançares os dados que julgarão os versos impossíveis. E o que disse da memória ... A memória sem lar, desnecessária, posta a ausência cúmplice. Se pudesse te acenderia um cigarro... Deixaria a guimba pendurada em teus lábios. (Como é bela e inútil a última centelha...) Logo chegarão. (A boca aberta da cidade despeja suas crias.) Vestirei a máscara e restarei um momento ― breve ― (o tempo de observar a indecisão das chamas perante o choro humano).



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Máscara mortuária
Guardei meu último gesto. Será um movimento exato da mão a cortar pelo talo a palavra definitiva. Dirão as carpideiras: Reparem no riso e todos esses dentes; a frouxidão da boca cansada de gargalhadas e asneiras. O cúmplice me encontrará sem palavras e gelado como a verdade.

* do livro Glacial / Ilustrações de Felipe Stefani (2014)

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  1. Anônimo6/8/24 10:00

    Parabéns, meu afilhado. Orgulho-me de sua copiosa e rica produção poética.
    Grande abraço
    Jô Drumond

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  2. Anônimo6/8/24 10:05

    Muito lindo, Jorge. Te amamos muito, Reinaldo e eu.

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  3. Anônimo6/8/24 19:12

    Obrigado, meus amigos!

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