Que belo contato com o velho e dileto amigo Sílvio Osias. Acho que décadas de respeito mútuo justificam os dois adjetivos: o primeiro...

De cara para cima

radiotelescopio bingo
Que belo contato com o velho e dileto amigo Sílvio Osias. Acho que décadas de respeito mútuo justificam os dois adjetivos: o primeiro demarca o tempo do nosso primeiro encontro em meados de 1970 quando o tínhamos, na centenária A União, como garoto prodígio do jornalismo. O segundo é justificado pela estima que por ele nutro desde então. Amizade sólida com esse tipo de gente, acreditem, dispensa a convivência diária e a mesa do botequim. E com Sílvio tem sido assim. Vemo-nos pouco, sem que isso nos diminua o afeto e a consideração.

Procurei-o pelo whatsapp, com um desses bilhetes eletrônicos, a fim de que ele me reavivasse a lembrança de seu pai, Onildo Lins de Albuquerque, com quem conversei sobre a Lua, satélites artificiais e telescópios para a finada A Carta, mal iniciados os anos de 1990.

Na velha Redação da Avenida Dom Pedro II, onde o editor Josélio Gondim instalou a Revista, ouvi histórias de 1968, por aí assim, quando Onildo observava o céu noturno para anotar a trajetória de pontinhos luminosos. Mas não fazia isso à toa, porquanto cronometrava cada uma daquelas passagens sobre João Pessoa por encomenda do Instituto Smithsonian. Isso mesmo, a instituição de pesquisa fundada e administrada pelo governo dos Estados Unidos. Ele compunha, então, uma rede mundial de astrônomos amadores contactados pelos americanos a fim de monitorar, voluntariamente, a movimentação de satélites artificiais na fase mais disputada da corrida espacial. Arengueiros na Terra, Estados Unidos e Rússia também já fatiavam o espaço.

Ao me responder de sua casa em mensagem de áudio, Sílvio contou que tinha ao alcance da vista um cronômetro suíço de alta precisão presenteado ao pai. Disse, também, que este levou ao túmulo uma enorme contrariedade, algo que o abalou profundamente: a retenção do telescópio moderno doado pelo Smithsonian a fim de ser substituído pelo de uso pessoal que se tornara obsoleto. Nem seu pai nem os americanos toparam a propina requerida na alfândega para a liberação do equipamento que, assim, voltou aos doadores. Depois disso, um Onildo desgostoso abandonaria o Programa Moonwatch destinado ao rastreamento de satélites para a Nasa, do qual era um dos dois únicos colaboradores brasileiros.

A mesma conversa nos conduziu à figura do professor Rubens de Azevedo, homem que dirigiu o Observatório Astronômico da Paraíba na ocasião montado em pequeno prédio da Rua 13 de Maio, no centro da cidade.
Pois bem, com milhares de observações da Lua, o impressionante Rubens, exímio desenhista, registrou um fenômeno transitório na superfície lunar (falou-se na ocorrência de lampejos resultantes do rebatimento de raios solares em campo liso) na área próxima do ponto onde pousariam, em 1969, Neil Armstrong e Buzz Aldrin, ocupantes do módulo pilotado pelo colega Michael Collins. Foi esse o trio da Apollo 11, a nave que conduziu os primeiros humanos à Lua. Disseram-me que tal descoberta pôde ser confirmada pelos homens da Apollo então alertados disso pela Nasa a meio caminho da viagem.

Sílvio informou-me que o pai, embora desapontado e desestimulado depois do episódio da alfândega, ainda ajudou com cálculos matemáticos um Rubens avesso à produção de tabelas e projeções astronômicas. A este último, romântico e sonhador, interessavam mesmo eram os encantos do céu. Assim, os jovens amantes da astronomia acolhidos e influenciados, também receberam dele lições de arte, estética, filosofia, música e cinema. Sílvio fez parte desse grupo.

O menino que eu fui também teve, ao seu modo, a cara voltada para a Lua. Para ela não voltei a parte que traz o dinheiro e as grandes conquistas, mas não há muito do que me queixar. Satisfaço-me com a bela família e os amigos que hoje tenho.

Nos idos de 1957, eu vi o Sputnik russo correr de horizonte a horizonte. Aparecia por cima do Compra Fiado, núcleo pobre da minha cidade, sumindo para as bandas do Engenho Recreio, reduto de ricos. E vi, antes que aquele ano acabasse, a subida e o retorno de Laika, a cachorrinha apanhada nas ruas de Moscou para a glorificação eterna. Ouvi, em 1961, de um Gagarin espantado: “A Terra é azul”.
Era quando a poderosa União Soviética, um conjunto de 15 Repúblicas capitaneada pela Rússia, assumia a liderança da corrida espacial perdida, definitivamente, em menos de uma década para a turma da Apollo.

O idoso que me tornei vê, agora, com boa dose de satisfação, a notícia da instalação do Bingo, o maior radiotelescópio da América Latina nos ermos da paraibana Aguiar, em meio a xiquexiques e mandacarus. Foi isso o que me fez lembrar da matéria da velha A Carta e a procurar o amigo Sílvio Osias em busca de detalhes esquecidos.

A União – onde militamos eu e ele nos tempos do papel e tinta, mas agora, também, circulando em meio eletrônico – conta que o Bingo decorre de parceria com a China celebrada pelo Governo brasileiro por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. É empreitada da qual ainda participa o Governo da Paraíba com a bagatela de R$ 16 milhões, a concessão e a preparação do terreno, providência necessária, neste caso, ao suporte de pesadíssimas estruturas metálicas.


O velho jornal informa que essa coisa terá o tamanho do Maracanã, um dos mais famosos estádios de futebol do planeta, e que a escolha da área decorre do fato de que em Aguiar, com céu descontaminado, não ocorre a interferência de sinais eletromagnéticos nem o vai e vem da aviação comercial, ou militar.

Não espia para cima a notícia d'A União. Ou seja, não trata da profundidade das observações do universo nem dos resultados disso porventura decorrentes. Fala, isto sim, do fortalecimento da pesquisa, da inovação científica, do estudo e do aprendizado de tecnologias avançadas. Seja como for, é uma boa notícia. Fará bom proveito do Bingo a geração do meu neto, naturalmente, quando eu já tiver virado estrela.

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  1. Você já é uma estrela da crônica, Frutuoso. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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    1. - Grato, sempre e sempre, Gil. Um abraço, Frutuoso.

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