Acabo de acessar pela Internet catálogo no qual o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o velho IBGE cansado de guerra, menciona as Capelas da Batalha e de Nossa Senhora do Socorro, em Cruz do Espírito Santo, a meio caminho de Santa Rita. Ali mesmo, não muito longe do ponto onde o Rio Paraíba começa a sofrer empurrões do mar e a inchar e murchar no ritmo das marés.
Outra consulta, desta vez ao Google, remete-me à incursão do Capitão Rabelinho contra uma tropa da Holanda ali postada. A superioridade numérica dos invasores não impediu a vitória dos portugueses e nativos ao cabo do confronto em que morreria o então governante holandês para a região, Ippo Eisse.
Eu já tinha ouvido essa história do sociólogo Odilon Ribeiro Coutinho, integrante da família de usineiros a cujas mãos aquelas terras chegaram no transcurso do tempo. Odilon contava isso sem economizar detalhes. Às vezes, passava-me a impressão de que ele mesmo empunhou um daqueles mosquetes, no transcurso dos anos de 1630, por aí assim.
Ambas as capelas, contava-me, resultaram de promessa feita por um lugar-tenente do Capitão Rabelinho. Imprensado entre os tiros e o rio cheio, este moço dispôs-se a erguer as duas igrejinhas se escapasse da represália inimiga desfechada logo após o primeiro e vitorioso ataque. Assim prometeu e assim cumpriu, porquanto ele e os seus foram salvos pela chegada repentina do índio Felipe Camarão à frente de um grupo numeroso. Sob fogo cruzado, os holandeses correram.
Capela da Batalha, Cruz do Espírito Santo, PB ▪ Bosco AFT-PB + Anderson Martinez, via GMaps
O melhor de tudo era ouvir, ao cabo de tais relatos, a sentença do Mestre Odilon: “Meu amigo, esta é uma área de profunda evocação lírica e histórica”. Eu tenho repetido isso com todas as minhas convicções aos poucos parentes e amigos de Pilar, a cidadezinha aonde cheguei aos seis meses de idade e de onde saí (por assim dizer) aos 15.A cada repetição, elevo a esperança de ser acreditado por quaisquer desses sucessivos candidatos à Prefeitura Municipal. Até aqui, tem sido uma gente surda aos aconselhamentos de projetos destinados ao bom proveito da mais sentida vocação das cidades do Baixo Vale do Paraíba: o turismo com suas oportunidades de emprego e renda para um povo, em sua maior parte, à beira da miséria.
Permito-me a não revelação daqueles pelos quais fui procurado em busca de ideias para programas de governo. Isto mais aconteceu quando tive sob meu comando uma redação de jornal. Poucos minutos de conversa já me faziam perceber o real motivo daquelas visitas: a aparição dos visitantes no noticiário.
Sei de outros pilarenses tão inconformados quanto eu com o desprezo institucional àquilo que sirva ao progresso e à redenção sociais. E sei, também, que este é um problema com o tamanho do Brasil. É coisa penosamente observada neste País Tropical, em todas as direções da Rosa dos Ventos. Portanto, o tema aqui tratado passa muito de uma questão paroquial. Tem, na mais larga escala, a amplitude das nossas urgências e angústias.
O que explica o fato de não constar do calendário turístico nacional o Engenho Corredor, berço do romancista José Lins do Rego, uma das grandes expressões do romance brasileiro? O que justifica a inexistência de um corredor de turismo cultural em cujas margens encontram-se capelas coloniais e velhos engenhos de açúcar revelados ao mundo em, ao menos, uma dezena de idiomas pelo gênio criador de Zé Lins? Por que o turismo de praias, circuitos do frio e quadrilhas juninas não anda passo a passo com a visitação ao casario, aos produtos, à culinária, aos hábitos e à paisagem mais ampla da zona rural nordestina, se quisermos ficar no caso?
Há perdão para os que ignoram a importância das panelas e potes de barro surgidos do massapê existente nos quintais da Rua da Lagoa, no Pilar da minha e de tantas outras infâncias? Por que isso deixou de ser uma tradição antes repassada de mães para filhas e morta, contudo, face ao desleixo oficial que lhes negou a organização em cooperativa, o treinamento e a orientação técnica?
Acredite-se: foi este, sem proveito, um dos aconselhamentos àqueles pelos quais fui procurado. Assim, também, foi a sugestão de um mirante, iluminação, implantação de alamedas e ajardinamento no Alto da Conceição, monte assim chamado em virtude do Monumento consagrado à santa depois de erguido ali, em 1899, a fim de que a Paraíba com ele recebesse o Século 20. O baixo custo dessa obra resultaria de convênios da Prefeitura com hortos florestais e departamentos universitários nas áreas da engenharia, da arquitetura, do urbanismo, ou do paisagismo.
Um certo candidato anotou isso e, ainda, outra sugestão para a implantação de cursos de horticultura e jardinagem em zona ribeirinha e em favor de famílias pobres. Além de levar comida para casa, os filhos e filhas da pobreza poderiam comercializar o excedente. O candidato ouviu-me com atenção, deu-me um abraço e esqueceu de tudo depois de eleito.
A recorrência ao assunto resulta da proximidade de novas eleições. Que o eleitorado vá às urnas consciente de que o ato de governar municípios deve ir além da manutenção pálida e comezinha de escolas e postos médicos, aliás, poucos e desaparelhados. Deve ser muito mais do que a pontualidade dos salários magros geralmente pagos pelas Prefeituras. Neste e noutros casos, governar é identificar vocações e aproveitá-las para o bem comum.
Hoje em dia, significa, ainda, bater à porta de senadores e deputados na busca do dinheiro público saído diretamente do Tesouro Nacional para recantos fechados dos gabinetes, via orçamento secreto, as atuais Emendas Pix, assim devidamente apelidadas em virtude da remessa da grana de ponto a ponto, sem intermediários. Creiam: os 33 Tribunais de Contas existentes no Brasil não sabem como fiscalizar isso de modo célere e eficaz. Enfim, vá o eleitor às urnas ciente da responsabilidade por suas escolhas. A conscientização da culpa no cartório já seria de enorme utilidade.