Numa extensa faixa de terra no oeste da Paraíba, espremida entre os Estados de Pernambuco e o Ceará, situa-se a cidade de Conceição do Piancó. Sua gente arrasta pelos penosos caminhos dos tempos tradições e costumes que trazem a marca da sabedoria popular. Sobressai a espiritualidade dessa gente, que explora com espontânea verve o pitoresco dos fatos.
Contam que Nicanor, na busca de melhores condições de vida ou para fugir à agressividade da natureza hostil, tomou uma inesperada decisão: arredar o pé do torrão natal. Naquele tempo, como ainda hoje, eram comuns essas arribadas para as terras do sul, onde se acreditava encontrar facilmente a riqueza, quando menos, uma sobrevivência tranquila. Cheio de ilusões e ante a estupefação de todos, Nicanor apressa as providências para a viagem. O cavalo cardão em que saiu do sítio Barriguda, onde morava, para a cidade, vendeu-o na feira, e o mais que tinha queimou a qualquer preço. Uma meia dúzia de livros, deixa de presente para o amigo Chico Rodrigues, leitor compulsivo. Pagou umas contas menores, deixando as maiores para mandar de lá. No dia da partida, enquanto aguardava a chegada do pau-de-arara de António Silva, foi aquela carraspana.
E se mandou. Um, dois, três anos, e ninguém tinha a menor notícia de Nicanor.
Numa fria manhã de junho, antes do nascer do sol, um pau-de-arara procedente do sul do País faz parada na praça da matriz, e Nicanor salta de sua carroceria, empoeirado, envergando um blusão de frio. De uma das mãos pendia a maleta de couro com toda a sua riqueza, e da outra um rádio portátil.
Amigo de todo mundo, não tardou em receber os cumprimentos de boas-vindas do sargento Valões, madrugador, já havia se inteirado do que ocorria e lhe estendeu a mão adiposa com um sorriso no canto da boca (ah, o cabuloso sorriso do Valões).
⏤ Veio pra ficar, Nicanor?
A resposta carregada de sotaque paulista não se fez esperar.
⏤ Vim de férias.
Toda cidade logo tomou conhecimento da volta de Nicanor, e a curiosidade popular era aquela impertinência ⏤ Como é, veio pra ficar, quando volta, está bem de vida? A informação era sempre a mesma: "Estou de férias".
De tanto correrem os períodos de férias, já se foram quarenta anos de sua volta à terra natal. Talvez, as mais longas férias de que já se teve conhecimento ao longo da história. A cidade ainda hoje conserva esse dito prosaico: as férias de Nicanor.
E desde aquele dia, sempre que alguém chega a Conceição e se diz de férias, alguém pergunta sem titubear:
São as férias de Nicanor?