Toda cidade conhecia a coragem do vigário. Homem jovem, nos seus vinte e poucos anos, franzino, irrequieto, e sem papas na língua, já dera provas do seu destemor.
Conhecedor profundo de ciências humanas, a todos encantava com o seu verbo fácil e grande poder de convencimento. Diziam até que havia estudado em Roma, como depois foi comprovado. As solteironas ficavam embevecidas com a prosa escorreita e envolvente do padre Chico Pereira. As más-línguas cochichavam que tinha um xodó com a beata Dasdores. Coisas de cidade pequena e gente desocupada. Mas a verdade é que era por todos querido e respeitado, menos pelos poderosos e mandantes do lugar que temiam o envolvimento em torno de sua figura carismática.
A comunidade se recorda de um episódio que marcou a sua passagem pela paróquia de Conceição do Piancó. Cidade pequena e de povo atrasado, vivia momentos de aflição e revolta. Ninguém entendia como uma cidade de gente tão devota e trabalhadora se tornasse, de um momento para o outro, num verdadeiro caos. Só sendo mesmo coisa do demônio. Que gente daqui não podia ser. Só mesmo um castigo.
Toda essa revolta se justificava pela recente instalação de um cabaré, por João Cego, na saída da rua principal, verdadeira afronta às recatadas famílias, que viam naquilo a perdição e a depravação por completo da pequena comuna. Era demais. Não. Não podiam tolerar mesmo. Teria que haver um jeito.
As mulheres mais afoitas se reuniam e discutiam em voz alterada; as mais acanhadas, reservadas, ficavam a brechar, quietas, todo aquele alvoroço pelas frestas das janelas. As moças, essas coitadas, permaneciam trancadas a sete chaves. Que moça solteira não podia sequer ouvir falar naquela perdição. Quanto aos homens, se faziam revoltados apenas para manter as aparências e evitar as brigas em casa. Mas na verdade, gostavam mesmo do que estava acontecendo.
De repente, do meio da multidão surge uma solução: iriam todos falar com o delegado de polícia. Mas esse afirmou que só poderia intervir com um mandado judicial. Como na cidade não havia juiz, a coisa não andou, ficou como estava. Surgiu outra ideia: iriam falar com o prefeito do município, senhor João Mangueira, e exigiriam providências. Mas essa também não surtiu o efeito esperado. O homem era jovem e mulherengo e não demonstrou o menor interesse em participar daquela querela. Alegou uma coisa e outra e tirou o corpo. Desconversou.
A multidão voltou acabrunhada sem atinar para quem apelar. Muitos já acreditavam que a causa era perdida, quando alguém apareceu com a ideia salvadora: iriam falar e expor o problema para o padre Chico Pereira. Somente ele é que poderia dar um jeito.
Dito e feito.
O vigário tomou as dores para si e expôs a solução no sermão da tarde. Iriam todos, ele na frente, e exporiam a enrascada para João Cego, se o mesmo se negasse em fechar o prostíbulo e mandar o pessoal de volta para Serra Talhada, só havia uma solução: quebrar tudo no pau.
E foi o que aconteceu. A multidão enfurecida anti a negativa do proprietário e com o vigário à frente, arrasou tudo. Não restou nada que pudesse ser aproveitado. Um amontoado de entulho. João Cego, de mãos na cabeça ganhou as capoeiras seguido por seu pessoal, a fim de livrarem-se do linchamento.
Desde esse dia, ninguém mais teve a afoiteza de instalar outro cabaré em Conceição do Piancó.