Uma prerrogativa que não podemos abrir mão quando percorremos quase todo nosso calendário; isto é, quando já estamos bem adiantadinhos nos anos é o direito ao esquecimento. Isso mesmo! Não somos mais obrigados a lembrar de tudo. Esquecer onde colocou o celular, onde deixou a chave do carro e até onde deixou o próprio carro é com a gente mesmo.
Estou nessa fase da vida em que a memória dá umas fraquejadas. Para me garantir, andei fazendo uns exames e o esculápio de plantão, com os resultados do inquérito à mão, afirmou em alto e bom tom que estou muito bem para a idade e que “aquele alemão”, pelo menos por enquanto, não está me assombrando. “Coisas da idade, isso é normal”, disse o clínico com ar muito professoral referindo-se aos meus esquecimentos ocasionais e acrescentou que posso continuar tomando minhas cervejinhas desde que não exagerasse. Não apreciei muito esse “não exagerasse”, mas declinei.
E por que essas justificativas? É de bom alvitre que rabisque aqui as devidas explicações. Dias atrás publiquei neste poderoso portal minhas aventuras em terras piratiningas em duas quinzenas de julho. Relatei alguns encontros e os que não consegui efetivar por uma razão ou outra, mas não deixei de citar os abraços que fiquei devendo. Uma amiga muito querida, ao ler a crônica, telefonou à minha cara metade e soltou o alerta: “Como o Paiva pode esquecer dela? A bichinha está triste que só”. É isso, eu deixara de citar alguém muito especial na crônica que publicara.
A amiga em questão, a que levantou a lebre, não a preterida, brava como um siri na lata (que o diga, Edu, o marido), tomou as dores de nossa parceirinha esquecida no meu texto e deitou reclamação. Nem precisava, eu mesmo me pergunto: Como pude esquecer? Mas esqueci, fazer o quê? Agora Inês é morta.
O que vou fazer é tentar nesta coluna me redimir desta falta imperdoável. Então, aos fatos.
Dia bem típico de inverno, saímos depois do almoço, eu e aquela que ainda divide comigo lençóis e travesseiros, da casa de nossa filha lá nos altos de Pinheiros e fomos até a residência da amiga Vera Alice, na Aclimação. Uma viagem. Lá nos aguardavam Edu e sua consorte (aquela do telefonema, filha de Vera).
Dali, tomamos o rumo de Santa Isabel onde este casal, mencionado acima tem uma sesmaria que eles modestamente chamam de sítio. Anfitriões generosos, que delícia aqueles momentos. Vinho, queijo, lareira, e temperatura que empurrou o mercúrio do termômetro aos 5ºC, boa conversa e enfim, depois aquele sono de fazer inveja a qualquer dorminhoco. Difícil foi acordar, mas tivemos que fazê-lo porque a missão era irmos a Taubaté e ali encontrarmos com Silvinha, a vítima das destemperanças de minha memória. Fomos: Edu com Francisca e eu com Ana. Como perceberam, cada um com sua cara-metade.
Muito bem recebidos e nossa amiga, depois dos abraços protocolares, serviu-nos aquele desjejum; ou seja, o tal do “café medroso”. Medroso porque tem medo de vir só e vem com leite, pão, geleia, manteiga, bolo de fubá com goiabada, queijos (no plural), frutas e mais não sei o quê. Só esclarecendo, há também o café corajoso que é aquele metido a valente que vem só, ralo e desacompanhado.
Fazia pouco que Silvinha perdera o marido, que fora ter uma conversa com Deus. Estava se recuperando da perda, mas mesmo assim pudemos jogar muita conversa fora, dos tempos em que essa doce criatura lecionou comigo aqui em João Pessoa e em Campina Grande. Lembro-me que ela, com aquele sotaque do interior de São Paulo, e o motorista que nascera em Catolé do Rocha não se entendiam quando puxavam conversa na viagem até Campina, e eu ia estrada afora fazendo o papel de tradutor. Minha grande companheira e conselheira quando dei uma guinada na vida e fui encarar outro casamento. Como diriam os mais chegados, uma fofa. Voltando à viagem...
O almoço aconteceu num restaurante italianíssimo em Quiririm, um distrito agradável de Taubaté e logo depois pé na estrada para não viajar à noite. A visita foi breve, mas carinhosa e como foi bom rever Silvinha. Essa meiga “Menina da Vila das Graças” promete nos visitar aqui em nossa Filipeia. Venha mesmo. Assim, a mulher de Edu se acalma e você vai tratando de tirar da cabeça que eu não lhe quero bem. Foi só um esquecimento, sabe como Francisca é. Espero estar devidamente perdoado. Só mais uma coisinha minha amiga: um beijo e um forte abraço... Antes que eu me esqueça...