A cidade de Serraria homenageou o jornalista Wellington Farias, juntamente lembrando do paraibano Ariano Suassuna, porque a temática do Caminho dos Frios teve a temática armorial. Coisa boa essas homenagens para ambos, porque Leto muito exaltou a terra onde nasceu e Ariano usou a arte para resgatar sua identidade cultural.
Estive em Serraria para me juntar às homenagens e prestar reverência aos dois amigos, um mais achegado a mim porque desfrutamos da mesma paisagem do lugar, e o outro pela afinidade na mais alta cumplicidade e paixão pelas artes.
Neste momento quero lembrar, sobretudo, de outra pessoa que é personagem de meus escritos, que a carrego no coração. Para nossa alegria está nos abrilhantando com seu sorriso de mestra.
No Grupo Escolar Francisco Duarte, em Serraria, havia crianças de muitos lugares e classes sociais. Éramos crianças procedentes de distantes sítios, que chegávamos a pé. Alguns usavam lustrosos sapatos e outros de alpercatas ou descalços, mas todos recolhidos no abraço das professoras e acolhidos no carinho de dona Eterna Carvalho, a diretora do grupo escolar, eternizada no coração de todos.
Entre estes todos, estava Welligton Farias, meninote inquieto na sala de aula e no recreio, o amigo ausente que agora prestamos homenagens.
Lembro de uma visita à Serraria. Estando com Leto na sua casa, este me falou que dona Eterna estava na cidade. Esse encontro foi numa manhã quando o Sol dourava a região e nos campos brotava a babugem verde alimentada pela garoa. Momentos antes eu olhava as palmeiras bailando ao vento no alto das serras, enquanto me aproximava da cidade.
Fomos ao seu encontro. Reencontrei dona Eterna depois de muitos anos. Nos momentos anteriores, quando chegava a Serraria, sempre perguntava por ela. Naquele dia tivemos o reencontro retardado por mais de uma década.
- Dona Eterna está aqui, vamos visitá-la…
Disse-me Leto Farias, ao cumprimentá-lo da janela de sua casa. Fomos ao encontro dela. O coração aos pinotes e numa exultação desenfreada. Sequer notava o que se passava durante o trajeto entre as cinco casas que nos separavam.
Aquele abraço que ela me deu jamais esquecerei. Rejuvenesceu minhas lembranças do tempo quando estudávamos no Grupo Escolar Francisco Duarte.
Agora, mais de sessenta anos depois, lembro do seu sorriso quando nos recebia perfilados no pavilhão do Grupo Escola Francisco Duarte. Ainda retenho na memória suas palavras de afeto e de conselho, guardadas como instrumentos a ajudar na construção de minha vida. Os ensinamentos dela, assim como os de minha mãe, e os das professoras de então, ajudaram a recuperar os obstáculos que porventura tenham surgido no decorrer de minha vida.
Como o final de semana foi dedicado à cultura, no sábado respiramos arte e lembramos de nossa história, acordando os corações para o nosso passado, vislumbrando um futuro alvissareiro porque desejamos tocar no coração dos jovens.
O grupo escolar é um marco na vida de muitos, pois ali recebemos lições de fraternidade e de carinho, de respeito aos símbolos nacionais e de amor à família, amor à nossa Serraria. Esta escola foi uma incubadora de sonhos. Lembro que no pavilhão entoávamos o Hino Nacional. Quando não, na classe, antes do início das aulas, recitávamos orações religiosas.
Como era bonito e inocente aquele tempo.
Como esquecer as memoráveis tardes e manhãs vividas na amizade de Leto e seu irmão Dodó, o “neguin” Zé Paulo, Donato Mendes, Cassiano, João de Rafael Nunes, Ronaldo Menezes, Erasmo e Antônio Rocha, Roberto de Chico Neco, Nemésio e Nivaldo Cavalcanti, meus primos Luís e Aluísio de Zé Bebe, Feijão Gordo, Walter Carvalho... e mais alguns que diariamente nos reuníamos para ouvir as lições e aprender com os ensinamentos das professoras sob os olhares de dona Eterna Carvalho, a reverenciada e amada diretoria.
No grupo escolar vivi a dupla vida infantil no mundo nascente do contato com os amigos de todas as manhãs, diferente do círculo familiar e das brincadeiras do sítio, das fantasias irreais e fictícias. Um tempo de menos palavras e mais olhares.
Sempre desejei me aproximar dos garotos da cidade, que me respeitavam e eu os admirava. Entre estes, destacava-se Welligton Farias, agora reverenciado. O leite que sua família consumia todas as manhãs era procedente da vaca que papai criava em nosso sítio, e que eu, cedinho, levava quando me deslocava para a escola.
Ainda não terminei a história do nosso tempo, história de sonhos e sensações da infância que não se perderam, mesmo tendo vivido silencioso, solitário e incógnito por muitos anos.
Agora quando ao perceber o entardecer envolvendo-me, ainda continuo assinalando as adjacências das idas e vindas da escola, rememorando sua história, a história de cada uma família que constitui a grande família que se denomina Serraria.
Durante este tempo continuei mantendo contatos com alguns destes colegas, mesmo que cedo eu tenha pousado em outras terras conduzidas por uma sequência de fatos familiares, sem nunca esquecer Tapuio de minha infância. Sempre retornei a este lugar nos meus escritos, na minha poesia e na minha crônica, porque é a forma de estar presente mesmo estando distante. Wellington era testemunha desse meu esforço para me afastar de nossa terra, ele mesmo nos estimulando com sua dedicação pelas histórias de nossa gente.
Em quase cinquenta anos escrevendo e publicando semanalmente, com pequenos intervalos, em tudo coloquei Serraria. As histórias que estão no livro “Serraria, A Princesa do Brejo”, lançado no sábado, são as histórias de nossos antepassados. A nossa história que se mistura com os fatos atuais. À medida que conhecemos a história de nossa terra, mas passamos a amá-la. O registro em livro fica para sempre. As palavras voam, a escrita permanece.
Meu compromisso é com a história de minha terra. Para que nossos antepassados não sejam esquecidos. E as futuras gerações, nossos filhos e netos, possam conhecer nossa gente. Escrevo a história dessa gente para ser lida nas escolas. É meu compromisso, será meu presente para a gente de minha cidade.