Poderia estar falando do preço de beijos que marcaram a história. Beijos de amor eterno. Beijos fraternos. Beijos traidores. Beijos políticos. Beijos comerciais. Beijos que nada mais representam do que um instante de prazer. Não é a esses e tantos beijos sobre os quais há tanto a dizer que me refiro.
Em uma viagem de ônibus cuja linha por ora omito, às 8h40 da noite, entram as perninhas sujas e descalças de duas crianças. Sujas e magras como milhares de outras cativas do alto preço da omissão. Logo se dirigiram à frente do coletivo, não antes de um passageiro alertar:
– Olha, o que ele vai fazer? Só um deles agia.
De fato, um dos meninos, de rostinho redondo, com pouco mais de seis ou sete anos, começou a beijar as mãos das jovens e senhoras. Algumas recebiam o beijo no rosto. O outro menino, quieto, só olhava. Logo depois, o pequeno garoto voltou e dirigindo-se aos locais onde beijara alguém, abria a mão, sinalizando que lhe dessem um “trocado”. Não ganhou muito.
Perto da porta de saída, estava eu – que tinha sido privilegiada, pois além do beijo que ganhei, ele ofereceu seu rostinho para que eu beijasse. Assim fiz. Uma discussão se estabelecera sobre dar ou não esmola. Alheio a tudo – assim como eu – ele chegou perto e dei-lhe uma moeda. Perguntei-lhe o nome. Um nome bonito. Indaguei por que o irmão nada fazia (parecia mais velho, mas não muito): – Ah! Ele não sabe!
No próximo ponto ele saltou. Sumiu na noite em todos os sentidos ou, talvez, até subir em outro ônibus, pois não creio que, em casa, se a tiver, tenha outra luz: a do afeto.
Mas, cabe perguntar a todos. Que beijo é esse? Ele quer “um trocado”. O instrumento de troca é inédito. Quem lhe ensinou? Foi ideia dele? Ele não parece ser um futuro “Beijoqueiro”. Será que o tecido social está tão podre que uma criança precisa vender beijos em troca de algum dinheiro?
O menino pareceu-me espontâneo demais. Nas feições sem beleza rara havia algo de diferente que não sei descrever. Os olhos reluzentes anunciavam a chama da vida, mas em atalhos tão perigosos.
Cabe, então, perguntar?
– Quanto vale um beijo? Quanto vale o beijo dessa criança, que, desde tão tenra idade, o vende em troca de quê? O preço mais caro que paga já é ele, assim como a sociedade. Fica, portanto, a pergunta.