Um texto bem escrito deve atender a requisitos não apenas gramaticais, lógicos, como também expressivos. A gramática determina a correção, que se obtém pela observância à norma culta. Ortografia, concordância (verbal e nominal), regência (também verbal e nominal), uso do sinal indicativo da crase são alguns dos tópicos nos quais incide a disciplina gramatical. Ela se firma em parte na tradição, em parte nas produções contemporâneas consideradas modelares do ponto de vista normativo.
Já a expressividade está associada à consciência linguística, que não se confunde com a gramatical. Ela implica, entre outras condições, ficar mais atento ao poder comunicativo das palavras; escolher os vocábulos em função do texto a ser produzido; atentar para o público ao qual a escrita se destina.
A busca pela expressividade não dispensa o redator de ser simples. A simplicidade está levando, por exemplo, à aposentadoria da mesóclise. Antigamente era sinal de distinção encher o texto de “far-lhe-ei”, “dir-te-ia”, “vê-lo-ás” e construções semelhantes. Jânio Quadros, que era professor de Português, notabilizou-se por empregar o pronome no meio do verbo até em bilhetinhos para os assessores.
Hoje se prefere dizer “Lhe farei uma visita” a “Far-lhe-ei uma visita”. A segunda construção soa pernóstica, pouco natural. A pronúncia retorcida das construções mesoclíticas não resistiu ao despojamento e ao dinamismo próprios da nossa época. Escrever bem é valorizar as formas breves e simples, que atingem com mais eficiência o leitor. Não foi apenas a mesóclise que se ausentou do cardápio. No plano semântico, passou-se a valorizar as palavras de uso comum. “Propósito”, em vez de “desiderato”; “destacado”, no lugar de “conspícuo”; “desprezível”, preferencialmente a “despiciendo”; e assim por diante.
No domínio da sintaxe, períodos longos e invertidos deram lugar às orações absolutas e à ordem direta. Em vez de “Ontem, depois de horas de espera, quando ninguém mais achava que o roqueiro Z aparecesse, ele resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs” – prefere-se esta construção mais e simples e clara: “Ontem, quando ninguém mais esperava que o roqueiro Z aparecesse, ele resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs.”
Não se pode falar em boa escrita sem atentar para dois conceitos fundamentais da linguística textual – a coesão e a coerência. A primeira promove a segunda. Um texto em que há coesão, ou seja, interligação formal das suas partes, é coerente e por conseguinte claro. Há uma coerência interna, efeito da não contradição, e uma coerência externa, decorrente da adequação do discurso à realidade (a chamada verossimilhança).
Michel de Montaigne, o criador dos Ensaios, escreveu que o estilo “deve ter três virtudes: clareza, clareza e clareza”. Além de traduzir fidelidade ao pensamento de quem escreve, a clareza torna mais fácil a tarefa de quem lê. Não é justo fazer o leitor quebrar a cabeça com períodos quilométricos ou palavras cerebrinas (por sinal, acabei de fazer isso ao usar o termo “cerebrinas”. O consolo é que ninguém perde nada indo ao dicionário).
Com base na lição de Montaigne, para bem escrever é preciso evitar tudo que possa obscurecer o sentido, tornando insuficiente a mensagem e ambígua a intenção do escritor. A experiência com o ensino de redação mostra que as falhas comprometedoras da clareza residem, em grande parte, na má ordenação dos componentes textuais, na imprecisão vocabular e na deficiente pontuação.
Se a prosa consiste em dispor as palavras “na sua melhor ordem”, quem quer ser claro tem que atentar para a exata colocação de vocábulos, períodos e parágrafos a fim de obter uma progressão ordenada das ideias. Isso não é fácil, pois exige sobretudo disciplina, mas o texto ganha em eficiência quando cada coisa está em seu lugar.
Da sentença, espera-se que seja completa (não são raros nas redações os fragmentos de frases). Do parágrafo, que tenha unidade, apresente-se suficientemente desenvolvido e se articule com o parágrafo seguinte de modo a promover a progressão. O texto “funciona” quando sentenças e parágrafos estão dispostos numa ordem tal, que facilita o percurso da leitura. O que não se lê fácil está mal escrito.
No domínio semântico, a boa escrita se caracteriza pelo emprego de vocábulos precisos, ajustados ao contexto. Um dos fatores que comprometem a comunicação é o uso inadequado dos parônimos – vocábulos semelhantes quanto ao som. A semelhança entre eles pode levar a escolhas erradas, que produzem por vezes um efeito esdrúxulo e até cômico. Um aluno escreveu, por exemplo:
“A sociedade fica extasiada com o número de crimes que ocorrem atualmente” (queria dizer que a sociedade fica... estarrecida).
Quanto à pontuação, deve-se atentar sobretudo para o emprego da vírgula e do ponto. A primeira, que corresponde a uma pausa de pequena extensão, serve basicamente para separar termos da mesma função sintática. Já o ponto delimita o período, ou seja, a frase oracional. Separar períodos por vírgulas torna caótico o enunciado e impede que o leitor faça as pausas necessárias à delimitação das informações; abusar do ponto, empregando-o no lugar da vírgula, fragmenta o período. Cito esses dois procedimentos porque eles são os mais comuns nos textos que avalio em sala de aula.
Enfim, os requisitos para escrever bem dependem do conhecimento da língua e da pertinência (ou não) de determinados usos nos diferentes contextos de comunicação. A aquisição dessas habilidades, vale ressaltar, pode em boa parte ser feita de forma indireta, intuitiva, no contato com os bons escritores. Como diz Stephen Kock, autor de um inestimável guia de escrita:
“há algo suspeito – até mesmo desconcertante – numa pessoa que não lê e afirma querer escrever”.