Uma carteira e seus sentidos às crianças de Realengo Observe essa carteira vazia – ociosa – desocupada. Entr...

O Estalo da Palavra (VII)

 
Uma carteira e seus sentidos
às crianças de Realengo Observe essa carteira vazia – ociosa – desocupada. Entre na dimensão do absurdo – no que se contorce – e resvala, e desperta, e nos cala. Observe essa carteira vazia –ruidosa– maculada. Ventre da omissão confusa – que nos paralisa – e enoja, e perpassa , e retalha. Observe essa carteira vazia – poderosa – enfeitada. Lembre-se da profusão do sangue – que se dispersa – e tinge, e respinga, e nos entala. Observe essa carteira vazia – fervorosa – devotada. Sinta a celebração da loucura – que consente – e trucida, e cega, e nos abala. Observe essa carteira vazia – tenebrosa – malfadada. Sinta a emanação do ódio – que se alastra – e devora, e abraça, e nos trespassa. Observe essa carteira vazia – silenciosa – abandonada. Crente na devassidão do mundo – que surpreende – e ignora, e reproduz, e nos arrasa. Observe essa carteira vazia – deliciosa – delicada. Prenhe de ilusão confusa – que consente – e insinua, e seduz, e nos agarra. Observe essa carteira vazia – espaçosa – desejada. Ciente na criação do sonho – que compreende – e ama, e perdoa, e nos concede a graça.


 
O poema acima de mim
Se disser tudo, me restará a última mentira. Mas, rente ao chão, toda mentira resvala na inutilidade.


Portal dos anjos
Anjos, dou-lhes de presente a minha sanidade. Sei o que me custará rolar a cabeça no acaso ... Anjos de poeta não implodem, esvaem-se da cabeceira da cama do menino, retornam para a dimensão do sonho que se teve e se dispersou com a razão. Retribuo com o poema a vigília e peço que devolvam a Paulo o Patibulum e a culpa.


Ao poema
Ao “homem absurdo” Albert Camus Parte-se do esquecimento. Caminha-se para o esquecimento. Disso dou testemunho. Tamanha consciência da morte vindoura nomeia encantamentos em cada trecho de aurora. E, se, em algum momento, falta ao punho o sustento, recolho-me ao verso que apoia. Eis a dura lida que ao poeta condena. Mas apesar do tormento da finitude certa, tem no poema – pulsão de vida – rumo ao esquecimento.


Poema justo
Para Reinaldo Santos Neves Não fechar a frase, não. Deixar a palavra ao relento. Miguel Marvilla Raspar as sobras da imagem – nata, gordura – o escorregadio da margem. O liso da casca. A paisagem. Da palavra – o inesperado; a calda – rasgos e fendas. Na vastidão – passagem. Rever imendas. Acumular entulhos – vazios. Cobrir de aragem. Recolher do baixio memórias aboios arrelias. Desviar das têmporas o estampido – tiro – peleja de louco. Repousar no estio. Aconchego – relento. Remover farpas – asperezas – ao vento. Lambuzar com visgo – isca – voragem. Revolver o leitor no espaço-tempo. Disparar a contagem. No continente dos olhos despertar do torpor... A linguagem.


Massa
Para Felipe Stefani Para uns, ruínas – degredo. Para outros, planície Divina, colinas de nuvens. Banido pela consciência, permaneço – altivo. Massa amorfa entre os dejetos do Universo.


Consciência
Ser a perdição – lisa – despudorada. Ter a utilidade da farpa da aroeira – curar o esquecimento. O retorcido cipó da ansiedade – com a cabeça hasteada a meio-pau.

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  1. Obrigado, professor!

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  2. O poema ou melhor a palavra no silêncio e o respaldo da vida

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