Nos dez anos do encantamento de Ariano Suassuna, lembramos que a ausência do pai assassinado em 1930 marcou profundamente o menino que, como disse, cresceu escutando as histórias da tragédia.
As poucas recordações do pai serviram para alimentar seu viver e para aprofundar seu olhar às artes, único caminho de acalento à sofreguidão da ausência paterna.
Homem de profundo sentimento e de amor ao Nordeste, Ariano retirou da terra inóspita e devastada o conteúdo de sua obra, fazendo brotar as mais admiráveis páginas literárias de amor e apego ao Sertão do Nordeste.
Ariano converteu e influenciou muita gente ao olhar pela arte a vida da terra das caatingas nordestinas. Por meio de sua obra avançou pelo Sertão poético tentando decifrar os encantos desta região, bela e misteriosa. Região quente durante o dia e de noites friorentas, com vento áspero e impetuoso no Cariri, e, durante alguma estação do ano, nas Espinharas os dias são abrasadores, enquanto que nas regiões do Brejo e Litoral, os momentos são mais amenos.
Genial e inimitável, sua vida se completou no apogeu da glória literária, porque deixou um conjunto de obras retratando a vida do povo brasileiro e, de modo especial, do Nordeste. Foi no esturricado Sertão onde presenciou acontecimentos decisivos que marcaram sua vida de poeta, dramaturgo e romancista. Tudo o que observou, nos contatos e nas conversas, utilizou na criação literária.
Levando consigo o mundo de Taperoá, tangido pela brutalidade do cangaço oficial, quando criança, foi morar com a família no Recife, onde efetivamente penetrou no fantástico mundo da literatura, tomou gosto pela arte e consolidou a trajetória de homem ligado ao povo nordestino, decifrador dos enigmas e defensor das raízes culturais da região.
Autor de múltiplos personagens, todos identificáveis nos recôncavos e ruelas do Nordeste, com destaque para João Grilo, Chicó e Quaderna. Personagens marcantes da dramaturgia e da literatura brasileira romanesca.
Construiu painel de uma cruel realidade nordestina, a partir de formas populares, da arte barroca e da arte rupestre. Na busca pela justiça e da reparação da perda do seu pai, Ariano montou uma importante produção literária.
Apaixonado pelas Artes, Ariano Suassuna foi intransigente na defesa da brasilidade e de modo particular do Nordeste.
Para defender seu ponto-de-vista acerca da arte e da cultura do Nordeste e do Brasil, gritava aos quatro cantos, estrebuchava, fazia alarde sobre suas convicções, consciente de que o artista é uma pessoa responsável por mostrar, falando ou escrevendo, aquilo que o povo não consegue expressar.
Seus livros dão leveza à alma porque contém uma sonoridade que nos leva a uma viagem de enorme prazer pelos encantos da imaginação.
Ele usou sua arte para contribuir na construção da identidade do homem do Nordeste, a partir de suas raízes. Arte esculpida no encontro com o passado, porque deu beleza no que tocava, tornando-se mais que um criador, porque foi um serviçal agente das caatingas.
Deu nobreza à arte de escrever, devolveu ao escritor a força de lutar na defesa da identidade da nação.
Mesmo incompreendido, soube desempenhar seu papel de escritor sempre integrado na luta pela preservação da identidade nacional. Manteve o compromisso com a liberdade. Suas palavras e sua arte nos retiraram da orfandade. Não se fez cúmplice pelo silêncio, mas se tornou uma voz a brandir contra o deserto dos arrogantes. Diante da dilapidação das raízes culturais, empunhou a bandeira em defesa da identidade genuinamente nacional.
A arte o levava a estar perto desse povo silencioso, partilhando juntos as lembranças e momentos inesquecíveis. Renovou, a cada dia, o compromisso de fidelidade ao ofício de escritor, de artista e de defensor da arte.
Ariano foi um escritor glorioso e venerável. Ainda bem que ele, o Cavaleiro da Pedra do Reino, nasceu na Paraíba.
Os caminhos da Arte são cheios de surpresas. Ariano foi salvo pela Arte, quando descobriu as surpresas que alimentam a alma. Sempre buscou a recomposição da vida de sua gente através da Arte, numa resposta às inquietações, para sossegar também a sua alma. Meteu-se numa interminável composição de uma obra que fosse a complementação da vida. A vida renovada pela Arte. Arte e vida caminhando juntas.
A Arte salvou Ariano. Ariano nos ajudou a compreender as dores da alma pela Arte, a conhecer a paz e a alegria construída pela arte.
Escrevendo sobre o povo do Nordeste, é como se falasse de todos brasileiros, pois trouxe à discussão temas que enriquecem o modo de sentir e viver neste esturricado Sertão.
Também faz da Arte um modo de viver, porque a Arte fantasia e diverte. Usou a Arte como grito dos oprimidos.
A Arte tem sentido quando constrói sonhos, quando ofusca a mediocridade e afasta a tristeza. Ele assim sonhou e realizou. Sonhou com o Sertão místico, mítico e solar, para viver livres de amarras da opressão.
Foi senhor e mestre do Sertão bravio e de luzes, lutou e venceu as forças toscas e agourentas aves de rapina.
A obra de Ariano é como um espelho, grande e esplendoroso, onde refletem o Sertão, sua gente e seus mistérios. Ariano é a própria alma do povo refletida no espelho da vida. Espelho onde brilha o rosto de Quaderna, Dom Pantero, João Grilo, Chicó, vaqueiros, cangaceiros, santos e guerreiros. Lampião, Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Padre Ibiapina…
Seu trabalho de escritor reflete como pedra malacacheta que alumia ao meio dia na caatinga pedregosa. Usou a Arte como espelho para denunciar as danações, a opressão e as dores. Ressalte-se que as alegrias e o sorriso foram armas usadas por ele para vencer a dor.
Então, grandemente e sem descanso, Ariano se tornou Rei, Poeta, Profeta e Palhaço, ofertou-se como agente que assumiu nossas dores e nossos anseios.
Ariano foi, como Imperador do Sertão, aliás, de todas as Sesmarias que se estendem pelas terras da Paraíba, o seu defensor e porta-voz. Sua arte salvou a todos nós.
Se ele queria fazer justiça aos algozes de seu Pai, vítima de tiro certeiro nas costas desferido às escondidas na selva urbana do Rio de Janeiro, a arte que praticou deixa esse entendimento. Com isso, também buscou consertar as injustiças praticadas em cinco séculos de opressão contra esse povo dos sertões.