Antes de chegarmos ao que me proponho expor nestas “mal traçadas linhas”, vamos inicialmente tomar uns parágrafos para esclarecermos algo acerca dessa preciosidade que precisamos cuidar com muito zelo e atenção: o tempo. Para quem está como eu, batendo uma bolinha no time dos sub80, é, sim, uma preciosidade. Não quero ocupar o meu — estou me referindo
ao tempo — com preocupações de pouca monta. Não mais me importo com maledicências de qualquer ordem, mesmo as que pretendam me atingir. Estou passando ao largo das responsabilidades e até dos boletos ando me escondendo.
Quero mesmo, nessa restrita temporada que me resta no calendário, celebrar a vida. Não estou certo? É que ando fazendo ultimamente quando a disposição me acode, a preguiça dá uma trégua e o coração suporta.
Quero mesmo, nessa restrita temporada que me resta no calendário, celebrar a vida. Não estou certo? É que ando fazendo ultimamente quando a disposição me acode, a preguiça dá uma trégua e o coração suporta.
E eu, querendo passar ao largo de preocupações quaisquer, vem-me esse motorzinho que empurra meu sangue por veias e artérias dar uma fraquejada quando muito eu necessitava dos seus préstimos. Ele, o coração, dizem uns e outros, foi feito para encarar algumas maldades que a vida nos prepara. Só que o meu não anda dando conta dessa tarefa.
E de qual maldade estou ocupando meu precioso tempo, já que ando tão parcimonioso com ele? Vou contar: a dor da separação. Isso mesmo, meus amigos, minhas amigas, as despedidas andam me machucando. Antes eu as encarava, as enfrentava, mas hoje ando fraquejando quando elas acontecem.
Tenho medo, muito medo, de que aquele abraço na hora da partida possa ser o último, por isso esse amplexo dói mais do que os de antigamente. E como dói. É toda uma história, uma crônica entre o êxtase e a agonia. Então, vamos lá.
Ausentei-me por algumas semanas aqui de nossa Filipeia. Casamento do último dos filhos que ainda vivia sua solteirice e esta, resistente que era uma danada. Mas foi fisgado. Nessas ocasiões, pai e mãe têm que estar presentes e lá fui para a terra dos bandeirantes testemunhar esse ato de bravura do meu rebento.
Era um recesso, com dias suficientes para ver meu menino trocar as alianças de dedo. Aproveitei para esticar a vacância a três semanas, quando fiquei dividindo o precioso (estou novamente me referindo ao tempo) entre a “pauliceia desvairada” e o Vale do outro Paraíba, o do Sul.
Nesses meses que parecem dividir o ano ao meio gosto de aparecer por lá. Bom sentir o friozinho com pouca umidade, soltar “fumacinha” pela boca quando se resolve falar. Andar pelas ruas da capital de todos os paulistas e ver a “elegância discreta de suas meninas”.
Mas como diz o mais paulistanos de todos os sambas de Adoniran: “E além disso mulher, tem outras coisas”. Vamos a elas. Ir até lá e não comer uma bisteca no “Sujinho” é um sacrilégio, como ir a Ribeirão Preto e não tomar chope no Pinguim. Pois eu estive no Sujinho da Consolação. Não deu para dar uma esticada até Ribeirão, mas não deixei de ir a um botequim da Eugênio de Lima e molhar a palavra ao lado de minha caçula e o genro generoso que fez questão de pagar a conta.
Estive na feira de antiguidades da praça Benedito Calixto e pude jogar conversa fora com aquela gente gentil e assim de coisa a nos dizer. É fazer uma viagem na história, no nosso passado e no dos outros. Depois o “Beco do Batman” e ver a arte nas paredes e aquela galerinha que põe brinco até no dedão do pé, e tatuam inclusive o estômago.
Lá no Vale, Ludmila, a russa mais paraibana de todas as eslavas, deu pequeno desfalque na adega e, no friozinho da noite subtraiu duas garrafas do seu estoque. Também vi Adriano, parceiro de sonhos na juventude. Eu aqui mais moderado, ele bolchevique raiz, fez-me almoçar um assado de lamber os beiços. Em Santa Isabel, Edu e Ceres nos receberam com lareira acesa num frio de 5°C.
Não pude ver os tios e amigos queridos, o tempo, sempre ele, foi curto demais. Até uma virose fora de hora andou me botando freio e nem fui conhecer Maria Júlia, um tiquinho de gente que meu parça Enéas nos deixou de presente. Na véspera de voltar, uma surpresa, um presente da Caçula: levou-me para assistir ao musical “A noviça rebelde” lá naquele imenso auditório, o Vibra São Paulo. Na TV, vi essa película algumas vezes. Minha menina conhecia essa predileção do pai e lá fomos nós.
Mas como não há bem que sempre dure... Veio a hora de me despedir e foi onde a coisa pegou. Quero ver essa gente novamente e ver os que não vi desta vez. O problema é se vou ter tempo. Será? E tudo anda mais complicado porque quando estou lá tenho saudades daqui e, quando aqui, quero estar por lá. E vamos tocando a vida. É o jeito.