Um texto de Rodrigo Casarin, publicado no livro de crônicas - A Biblioteca no fim do túnel um leitor em seu tempo, me levou ao encontro de passagens por livrarias e da aquisição de livros e o feliz achado de alguns livros esgotados que só foi possível encontrá-los em sebos.
Quando estava escrevendo a dissertação sobre Graciliano Ramos procurei o romance Angústia nas livrarias e não o encontrei, tive a ideia de visitar o Sebo do Brandão, no Recife, e me deparei com um exemplar da 4ª edição deste livro, estava bem velhinho é verdade, mas não faltava nenhuma página. Em uma entrevista que fiz com Heloísa Medeiros Ramos, a viúva de Graciliano, falei sobre este livro e ela me disse: “você tem em mãos uma boa edição, esta 4ª edição ainda foi revisada por Grace.”
A revista Tico-Tico foi a primeira a publicar histórias em quadrinhos (1905 / 1977) no Brasil. Era voltada para o público infantojuvenil, depois que deixou de circular se tornou raridade. No fim do ano, publicava o Almanaque do Tico-Tico que era disputadíssimo pelos leitores mirins, principalmente pelos meninos. Adquiri um exemplar desta revista em um sebo de São Paulo e conservo-o até hoje. Sei que a Biblioteca Nacional dispõe de grande parte desta coleção em seu acervo. Com o processo de digitalização de livros, revistas e jornais antigos tornou-se mais fácil ter acesso a livros raros, mas ainda considero um grande prazer encontrar um livro que não existe nas prateleiras das livrarias. É um “memorial de preciosidade”.
Na minha infância, fui leitora assídua da coleção do Tesouro da Juventude, li-os na casa de uma vizinha (já comentei sobre esse fato em outro texto). Eram 18 volumes cartonados em capa verde. Como desejei ser dona daquele tesouro! A coleção era cara, só os mais abonados compravam para seus filhos, tive que me contentar com a leitura a prestação na casa da vizinha. Muitos anos mais tarde, em visita a um sebo na cidade de Belém (PA), meu marido comprou e me presenteou a preciosa coleção. Chorei de emoção quando abri o saco cheio de livros, 18 volumes, um trabalho gráfico da Editora Brasileira, 1958. Às vezes retorno a essa coleção e releio principalmente os livros da minha preferência da infância: Livro da Poesia e Livro dos Contos.
Para criar passarinho, um belo poema em prosa de Bartolomeu Campos de Queirós, foi um livro que recebi através da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, emprestei-o e não voltou às minhas mãos. Comprei outro exemplar, novo empréstimo e nada de retorno. O livrinho atraía os leitores. Encontrei uma nova edição, mas sem o encanto das ilustrações de Walter Lara. Na edição antiga, cada capítulo recebia uma ilustração de um passarinho diferente, trabalho artístico de Walter Lara. Não estava satisfeita, eu queria o livro editado pela Miguilim. Em uma viagem a Belo Horizonte, me deparei com o livrinho antigo em uma livraria perdida no centro da cidade. Que alegria! Para criar passarinho voltou a minha estante, é sempre relido com muito prazer. Nada de empréstimo!
Durante muito tempo, procurei o livro de Antonio Candido Literatura e Sociedade e só fui encontrá-lo em Salvador, traz a data de 1976. Este não foi o primeiro livro que li do crítico paulista. Quando cursava Letras na antiga FURNE, descobri na biblioteca da Universidade um livro fininho deste autor – Ficção e Confissão, estava escrevendo um ensaio sobre Vidas Secas e foi um achado valioso. Como aluna e como professora, sempre procurei livros desse “mestre memorável”. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos desapareceu da minha estante, resolvi comprar outro exemplar, depois vi que estava escondidinho no meio de outros livros. Doei o antigo a uma biblioteca.
Será que o(a) leitor)a) tem o vício dos livros, como o escritor português Afonso Cruz? Não chego ao exagero de Cruz, mas gosto muito de livros e de histórias sobre livros, como as de Alberto Manguell e Umberto Eco. No texto ”Biblioteca pessoal”, inserido no livro O vício dos livros, Cruz diz que é possível organizar uma biblioteca de modo a representar um ser humano. Somos o resultado do que lemos. Borges dizia que uma biblioteca pessoal é uma autobiografia.
Na minha biblioteca, tenho todos os livros escritos por Graciliano, todos de Lobato, os infantis de Bartolomeu Campos de Queirós e de Lúcia Hiratsuka, ainda sobra espaço para Cecília Meireles, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Marcus Accioly, Eu, de Augusto dos Anjos, edição da Aguilar. A coleção completa de Machado de Assis, em capa dura, na cor verde, Editora Mérito, 31 volumes, é sempre consultada. Lá estão os livros de contos, Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, o livro de poesias – Falenas, teatro e todos os livros escritos pelo “Bruxo de Cosme Velho”. Esses livros vêm me acompanhando nas viagens pelas terras nordestinas. Eles me representam, são a minha autobiografia.
Os teóricos de literatura também me fazem companhia, entre eles, Gaston Bachelard, Antonio Candido, Alfredo Bosi, Lukács, Walter Benjamin, Emil Staiger, Umberto Eco, Alberto Manguell, Marisa Lajolo e Regina Zilberman, os quatro livros escritos por Wendel Santos e outros teóricos dispersos. É muito bom viver entre livros. Repito o que disse Mário Quintana no pequeno poema Dupla delícia:
"O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado".