A maioria dos estudantes sai da educação básica sem habilidade para elaborar um texto que contenha o mínimo de ordem, coesão e coerência. Não raro, isso ocorre até mesmo com estudantes universitários. O que falta? Dom? Talento? Não. Treino. Treino sistemático e frequente – que não se resume ao estudo massivo de normas da gramática normativa. Esse é apenas um dos diversos pilares na construção da escrita. A proficiência se dá, sobretudo, pelo conhecimento de diversos gêneros textuais – leitura e produção.
O estudante precisa ser submetido a atividades várias que o levem a refletir acerca daquilo que escreve.
É preciso aprender desde cedo que o texto é um grande tecido de significados, que há cadeias de sentidos que vão se inter-relacionando para assim desencadearem propósito(s) comunicativo(s), intenções que se vinculam à tríade leitor-autor-texto, como dizem as linguísticas Ingedore Koch e Vanda Maria Elias na obra “Ler e compreender” (Contexto, 2016). Conhecer os gêneros textuais, reconhecer qual é o propósito comunicativo do texto, o público-alvo, e ter subsídios (dados, argumentos, informações) são fatores fundamentais para a construção de sentido. Sem repertório cultural, fica difícil argumentar com propriedade, restando ao locutor a mera opinião ou achismo. Argumentos consistentes são respaldados por estratégias argumentativas que se somam ao conhecimento das causas e consequências de um dado tema. Sem esses pré-requisitos, o texto se torna sem efeito, superficial e até irrelevante.
Como escrever um texto sem conteúdo? Exige-se do aluno a elaboração de um artigo sobre publicidade infantil. É impossível elaborar uma produção textual de excelência se o autor/estudante não tiver nenhuma informação acerca do assunto. “Ninguém é capaz de escrever bem, se não sabe bem o que vai escrever”, disse o professor e linguista Mattoso Câmara Jr. Eis a importância da leitura. Não é apenas para se ter um extenso repertório vocabular ou saber ortografia. Corroborando esse pensamento, o professor Chico Viana costuma questionar: "você escreve bem ou escreve certo?” É que a escrita elegante não ocorre apenas pelo conhecimento de ortografia, pontuação, regência e afins...
Ademais, pensando o contexto escolar, é preciso considerar o que apontam os professores Celso Ferrarezi Jr e Robson Santos de Carvalho em “Produzir textos na educação básica – o que saber, como fazer” (Parábola, 2015), uma das maiores providências para evoluirmos no ensino da escrita é tornar as produções de textos algo que extrapole a mera atribuição de nota. Os alunos precisam ser desafiados a escrever folhetos explicativos, jornais escolares, poesias e até livros.
Sim, livros! Por vezes, subestimamos os estudantes, principalmente da escola pública, porque somos atropelados por uma demanda burocrática e por querermos seguir à risca o que o livro didático aborda. Assim, nos abstemos do trabalho com o texto, que requer muito tempo e esforço, haja vista que os textos deverão ser, posteriormente, analisados e corrigidos. São muitas as deficiências na aprendizagem linguística e muitas vezes não sabemos por onde começar. Todavia, retirar o protagonismo do texto das aulas de língua portuguesa é desconsiderar uma sociedade grafocêntrica, além de não oportunizar multiletramentos aos discentes, tão essenciais numa era marcada por linguagens diversas.
O texto deve ser a figura central nas aulas de língua portuguesa. Isso tem sido repetido há anos, mas, como parece que não nos ouve, ainda se insiste em uma abordagem insossa, em que a nomenclatura se torna mais importante do que a sua reflexão e aplicação. Também é preciso criar situações de produção textual mais próximas à realidade. Observa-se que, muitas vezes, o aluno está mais preocupado em agradar ao professor – porque, para o estudante, o único interlocutor será o docente, por vezes até escreve recados no rodapé da folha de caderno. Vê-se, então, que há uma simulação abstrata, um destinatário imaginário, contribuindo para que o redator até se esqueça de apresentar informações essenciais para compreensão adequada do texto formulado, pois pressupõe que o leitor já as conhece. O texto não deve ser escrito apenas para o professor, tampouco para o próprio discente, mas ao menos isso ocorrendo já temos os primeiros passos para a formação de um autor.
Urge que a escrita seja vista como um processo, não mais como um produto realizado por meio de exercícios mecanizados. Que tenhamos práticas permanentes de convivência com as palavras, cuja abordagem seja contextualizada. Precisamos, como educadores, mostrar riqueza das construções linguísticas. Escrever um texto não é visar a um produto pronto, acabado. É um processo. E este se dará aos poucos, com paciência e muita perseverança.