A publicação "Raízes do Brasil" (1936) pelo historiador, sociólogo, e escritor de São Paulo, Sérgio Buarque de Holanda (1...

Dubiedade do homem cordial

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A publicação "Raízes do Brasil" (1936) pelo historiador, sociólogo, e escritor de São Paulo, Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982), introduz o conceito do "homem cordial", que se tornou fundamental para a compreensão do país. O livro analisa a história do Brasil, de sua população e de suas estruturas, como a influente família patriarcal que surgiu durante a era colonial. Organizado em sete capítulos, a obra versa temas como "Fronteiras da Europa", "Trabalho e Aventura", "Herança Cultural", "O semeador e o Ladrilhador", "O Homem Cordial", "Novos Tempos" e "Nossa Revolução". A palavra "cordial" aqui não se restringe apenas a boas maneiras e gentileza.

Sérgio Buarque enfatiza na definição de "homem cordial" a ambiguidade do caráter do povo brasileiro. Ele afirma:

“Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no 'homem cordial': é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso, a polidez é, de algum modo, organização da defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas suas sensibilidades e suas emoções” (HOLANDA, 1995, p. 147).
Conforme o autor menciona, o “homem cordial” precisa ampliar sua pertença no convívio social, deve se conectar com o coletivo - não suportando o fardo da individualidade, ele necessita "viver por meio dos outros". Por exemplo, a carência de afeto em relação ao próximo se revela nas expressões linguísticas, como o uso do sufixo "inho" em palavras como "senhorzinho", demonstrando o desejo de aproximar o distante por meio da amizade. Assim, esse é um recurso comportamental enraizado na identidade do povo brasileiro. É por essa razão que Sérgio Buarque afirma que "a contribuição do Brasil para a civilização será o homem cordial".

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Na obra Raízes do Brasil, no capítulo 5, analisa-se a dubiedade da índole do povo brasileiro, que repudia a guerra, a violência e a exploração alheia, embora seja menos cruel que outros povos, revelando-se tanto como um povo bondoso quanto maldoso. Esse amor e ódio coexistem em um mesmo senso imaginário. O conceito “homem cordial” é do jornalista, magistrado, diplomata, poeta, contista e romancista paulista Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto (1898 - 1963), cujo fragmento que trata do assunto foi publicado pela Companhia das Letras nas edições comemorativas dos 70 e dos 80 anos desse livro. Numa carta ao jornalista, poeta e ensaísta paulista Cassiano Ricardo Leite (1895 - 1974), Sérgio Buarque registra que não acreditava na bondade dos brasileiros. Na versão digitalizada do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, disponíveis pela Biblioteca Nacional, ao questionar a bondade natural, lê-se:

“Vende-se uma linda e vistosa negrinha de 14 anos, sem moléstia de qualidade alguma” (3 de janeiro de 1870). “Vende-se um lindo moleque de 14 anos, copeiro e muito sadio” (4 de janeiro de 1870). “Aluga-se um moleque de 11 anos” (21 de setembro de 1872). “Vendem-se duas negrinhas, de 14 a 15 anos” (12 de maio de 1873). “Aluga-se uma pardinha de 15 anos, para portas a dentro, e uma negrinha de 9 anos, muito esperta, para andar com crianças” (29 de janeiro de 1874). “Vende-se um lindo moleque de 10 anos, muito vivo e inteligente” (18 de janeiro de 1870). “Vende-se uma bonita crioulinha de 8 anos de idade, própria para presente”. “Chega. Chega. Chega”. (5 de janeiro de 1870).
O livro Raízes do Brasil aponta para uma leitura da história do direito e das estruturas institucionais. A obra mostra que as leis não visam unir as pessoas e que a solidariedade só existe entre amigos, visando enriquecer de maneira desonesta às custas da desumanização do diferente. No capítulo 6, intitulado "Novos Rumos", que aborda, entre outros temas, a natureza do bacharelismo conforme descrito por Sérgio Buarque: "Nossas universidades formam anualmente centenas de novos bacharéis, que raramente aplicarão, na prática, os conhecimentos adquiridos durante o curso". Diante disso, ele levanta a questão de que não há a aplicação dos métodos científicos para resolver os problemas sociais, e de que há uma cultura superficial
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MS
repleta de achismos, e que os meios contemporâneos de comunicação banalizaram sua tese: "todo mundo se acha médico, economista, advogado, historiador, sociólogo e vidente".

A ideia do "homem cordial" dissemina a crença de que quanto menos uma pessoa depende dos outros, maior é seu valor. Isso resulta na ausência de bem-estar na sociedade. A permanência da maldade presente na falsa cordialidade é evidente na adoração à personalidade, na exploração da mão de obra, na discriminação, no acúmulo de riquezas, na ganância do poder econômico contra o bem coletivo, revelando-se também em práticas religiosas alienadas. Isso dá ao "homem cordial" uma sensação de ser superior a todos e acima das leis.

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