Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno (1903-1969) foi um filósofo, musicólogo, compositor e sociólogo alemão. Em sua obra Dialética Negativa (1966), influenciada pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, ele versa a libertação da alienação da consciência por meio da dialética como uma maneira de confrontar as forças opressivas da sociedade e do Estado. Para Adorno, encarar esse mal-estar significa despertar para a realidade da própria
existência e reconhecer que tal realidade surge de um contexto prévio que a influenciou, havendo um processo histórico implícito à formulação de políticas e a todas as atividades humanas. Escapar desse ciclo cruel é liberar-se da própria alienação, o que requer a negação das premissas estabelecidas para questionar a própria identidade, caracterizando assim a essência da ‘dialética negativa’ contra à necropolítica, que representa a politização da morte. A dialética adorniana revela modos de pensamento que vão além do que está visível na realidade. O seu senso crítico gera a autonomia do sujeito.
Na obra Dialética Negativa, Adorno critica a filosofia que se deixou envolver pelo princípio de dominação, que reduz a liberdade do pensamento a um mero processo de construção conceitual sistemático e generalizador. As capacidades filosóficas, que deveriam representar o pensamento sem restrições, tornam-se meras reafirmações dos padrões impositivos que absorvem tudo o que é discordante em uma realidade estática, na qual o indivíduo é guiado por um instinto de sobrevivência que condiciona toda a sua existência. Uma das teses de Adorno afirma: “O mundo amarrado objetivamente em suas bordas e transformado em uma totalidade não deixa a consciência livre. Ele a fixa incessantemente no pondo de onde ela quer se evadir. [...] O poder do existente erige as fachadas contra as quais se debate a consciência. Essa deve ousar atravessá-las. [...] Lá onde o pensamento se projeta para além daquilo a que, resistindo, ele está ligado, acha-se a sua liberdade. Essa segue o ímpeto expressivo do sujeito. A necessidade de dar voz ao sofrimento é condição de toda verdade. Pois sofrimento é objetividade que pesa sobre o sujeito: aquilo que ele experimenta como seu elemento mais subjetivo, sua expressão, é objetivamente mediado (ADORNO, 2009, P. 24).
O senso crítico em Adorno surge da necessidade expressiva do sujeito. Dar voz ao sofrimento é essencial para a construção dos próprios conceitos. Para o pensador, a angústia sobrecarrega o sujeito, sendo a dor sua experiência mais íntima e subjetiva, mediada objetivamente. Através do respeito à diversidade, Adorno desenvolve sua 'dialética negativa', permitindo que o sujeito fale. Se ele não consegue se expressar devido ao sofrimento, cabe ao pensamento e à dialética dar voz a ele. O pensamento transmite sua voz à alteridade, sem impor sua palavra. Cada forma de tortura carrega sua própria mágoa, pois cada indivíduo carrega sua dignidade afetada. Assim, sofrer é sentir o vazio e a alienação entre o ideal e a realidade. Refletir sobre o sofrimento é sentir a crueldade de cada dor.
A dialética adorniana permite ao sujeito conviver com o diferente em relação ao que é identificado, proporcionando a ele uma experiência existencial de se libertar de uma dominação e da própria alienação por meio da autorreflexão. Esse movimento de se aprofundar internamente, sem negligenciar o ambiente externo, amplia a consciência do senso de pertencimento. Segundo o pensador:
“Os elementos identificativos, como por exemplo os conceitos, as categorias, são vistos como momentos de aproximação. As formas de pensamento vão além daquilo que está presente. A ‘dialética negativa’ revela o não-consciente em um estado consciente. O pensamento irreconciliável é acompanhado pela esperança de reconciliação porque a resistência do pensamento ao meramente ente, a liberdade imperiosa do sujeito, também procura obter do objeto aquilo que se perdeu por meio da sua transformação em objeto” (ADORNO, 2009, p. 25).
Finalizo com o poema do poeta, ensaísta e jornalista norte-americano Walt Whitman (1819 - 1892) de sua obra Folhas de Relva (1855), traduzido por Geir Campos (1924 - 1999), escritor, jornalista e tradutor brasileiro.
Com música forte eu venho
com minhas cornetas e meus tambores:
não toco hinos
só para os vencedores consagrados
tocos hinos também
para as pessoas batidas e assassinadas.
Vocês já ouviram dizer
que ganhar o dia é bom?
pois eu digo que é bom também perder:
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito
com que as ganhas.
Eu rufo tambores pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.
Vivas àqueles que levaram a pior!
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar!
e a todos os generais
das estratégias perdidas,
que foram todos heróis!
E ao sem-número dos heróis desconhecidos,
Equivalentes aos heróis maiores
que se conhecem!
Aos que falharam, /grandes na aspiração!