Piados quebram o silêncio das primeiras horas. A luz desperta bem-te-vis, canários da terra, rolinhas e outros pássaros que trazem em primeira mão as rotineiras notícias do dia. Aqui e acolá há um movimento humano de domingo despreguiça o cenário. O Sol já se faz presente há algumas horas, chega para descortinar a madrugada friorenta do fim de junho e revela as formas dos bancos, calçadas e árvores da praça.
Celyn Kang
O tempo é um constante despertamento.
Celyn Kang
Tudo rima nas primeiras horas. Como o frio paralelepípedo do calçamento, a piscante monotonia dos semáforos de trânsito num cruzamento, a fachada de uma casa antiga, ou o descanso do cachorro com o corpo todo espichado no chão na porta da casa.
A simetria da cidade é uma farsa que captura olhos humanos como harmonia, pois a vida é assimetricamente perfeita. Engana-se que vê a perfilação dos postes como totalmente no prumo, ou ainda a marcha dos automóveis como uniforme. O homem e suas invenções até podem tentar a seguir padrões, mas sempre o diferente brota como de uma fissura do chão, feito luz entre as nuvens,
Celyn Kang
E os olhos que negam enxergar são os mais cegos, aprisionados a contextos limitados, encarcerados em suas próprias grades.
A quietude se agita, vira correnteza, nas horas díspares de duração pela variedade dos lugares, dos olhares, da respiração. Até mesmo a cantoria da passarada soa diferente. E acorda os dias, desperta atenções.
Disso tudo vem o espanto. Pela borboleta num perfeito pouso na folha após ter-se arrastado em algum momento da vida, pelas mãos que juntam latas para sobreviver e remexem depósitos de lixo, pelos olhos perdidos do idoso em outro mundo, pela coloração do ballet das flores sob o reflexo das gotas de água. É o milagre da caminhada mais valioso que o prêmio da chegada. Tudo é despertamento.