Vez em quando me lembro da depressão de Francisco de Assis ao voltar da Terra Santa, quando deu com sua ordem religiosa burocratizada, dotada de cofres-fortes e já longe do fundamental voto de pobreza que pretendera estabelecer.
Mais terrível me parece a história de Gandhi, que, depois de finalmente conseguir ver a Índia livre da Inglaterra, assistiu a uma enorme parte dela - a muçulmana - se entregar a um massacre contra seus conterrâneos... e fundar a República Islâmica do Paquistão.
Jamais me esquecerei da coincidente descrição de dois jornalistas de países diferentes ao entrevistarem Lênin, depois dos mil expurgos que ele fizera para manter o socialismo:
- Parecia o Cristo de Grünnewald - um escreveu.
- Parecia o Homem das Dores, publicou o outro.
Para quem não sabe, o Cristo pintado por Grünnewald é a figura mais estropiada e gangrenada da Arte Sacra universal.
Guevara?: desaparece de Cuba, abandonando a tempestade cerebral em que se metera com Fidel sobre os rumos da economia cubana – reprovava a monocultura da cana-de-açúcar com a União Soviética como mercado certo, não se sabia até quando, seguindo-se mais quarenta horas diretas de discussão entre os dois, na sua volta à Ilha, e que terminou com o Che deixando-a novamente, para morrer fuzilado numa guerrilha sem futuro, na Bolívia.
Acrescente-se o tiro no peito que Van Gogh deu no peito, ante o balanço que fizera da miséria geral a que sua vida se reduzira, ele próprio nada mais que um peso morto para o irmão mais novo, Théo, marchand que – sem conseguir vender nenhum dos quadros de Vincent - sustentava-o -, mas agora se casara e acabara de ser pai.
Há, ainda, o tiro que Hemingway deu com a espingarda na boca, ao concluir que não mais voltaria ao período áureo de seus melhores livros e das constantes aventuras, como as de caçadas na África.
Gandhi, Lênin, Marx, Guevara e tantos outros tentaram a construção de uma sociedade ideal e se deram mal. Isso me remete ao etologista (especialista em comportamento animal) John B. Calhoun, que criou uma experiência com ratos, o Universo 25, em que lhes deu tudo que seria positivo em sua comunidade: alimentos, água, abrigo, com o que a multiplicação deles disparou ... até atingir o colapso em que tudo desandou em violência, maternidades anormais, lideranças ególatras. Isso parece comprovar que... tanto eles como nós só funcionamos se tivermos problemas, o que me remete à inesquecível fala – extremamente cínica - do personagem Harry Lime , de Orson Welles, em O Terceiro Homem – de Carol Reed (1949) -, texto que (segundo se diz) teve a mão do ator . A tirada do relógio cuco – segundo Welles – ele a pinçara de uma peça húngara:
- Na Itália, por 30 anos, sob os Bórgias, houve guerra, terror, homicídio, sangue, mas aconteceram Miguelângelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça, houve amor fraterno, 500 anos de democracia e paz – and what did that produce? - e o que aquilo produziu...? The cuckoo clock. O relógio-cuco.
Reduzindo tudo às devidas proporções, já me perguntei De que serviu todo o meu empenho? E aqui mesmo considerei que não escrevo, mais, para os outros – sei que tenho poucos leitores – mas apenas para minha própria ânsia de entendimento.