Fiz, exatamente, do modo como deve ser feito. Hidratei o fubá ao ponto em que se agrega em pequenas bolotas quando revirado com uma colher. Também esperei o tempo necessário ao transporte para a cuscuzeira nem muito seco nem muito úmido. Experimentei o sal: “Perfeito”.
O leite de coco já estava preparado com açúcar na quantidade do bom senso. Não precisa levar isso ao fogo. Basta acrescer água, espremer tudo à mão, ou recorrer ao bom e velho liquidificador para a extração do sumo. Em todo caso, a coagem é indispensável. E, o que é muito bom, as sobras rendem cocadas com cravo e leite condensado.
Providenciei o leite de coco in natura e não naquelas garrafas de prateleira. Pode-se adquirir o fruto já ralado e embalado em sacos plásticos nos balcões das feiras livres e de alguns supermercados. Isso evita a quebra da casca dura como madeira e a remoção um tanto complicada da polpa, seja com o auxílio de uma faca, seja com a de um ralador.
Todo mundo sabe do tempo de fogo a ser corretamente aplicado a um cuscuz de milho. O fubá cru nem cheira nem fede, mas espalha um cheiro bom pela cozinha e adjacências tão logo o cozimento se completa. Cheirou? Está pronto.
Tratei de tudo isso com procedimentos comparáveis aos da elaboração de um prato digno das boas cozinhas. Caprichei até na escolha da cuscuzeira. Eu não queria um cuscuz coletivo, do tamanho do apetite familiar. Desejava, isto sim, porções individuais, na dimensão exata das minhas melhores lembranças.
Já à mesa, notei, satisfeito, a aprovação da mulher, filhos, neto e noras. “Está muito bom”, exclamou uma delas, à primeira garfada. Esperançoso, servi-me, então, do que fiz: Que desolação... Não era de todo ruim, mas o sabor estava muito distante daquele que eu tinha, em minha juventude, à porta do Cine Rex.
Isso mesmo, cuscuz na fila do cinema. Era quando eu e meus iguais saíamos do Liceu e outros colégios do centro da cidade para as Matinês das Moças. O Rex, o primeiro cinema de João Pessoa com cadeiras acolchoadas (depois vieram o Plaza e o Municipal, este último com 900 poltronas) situava-se na esquina da Rua Peregrino de Carvalho com a Duque de Caxias, bem defronte à sede central do Clube Cabo Branco. Nós chegávamos, em boa parte, àquela calçada com sentido maior nas meninas e no Cuscuz Bondade, do que nos filmes de aventura, ou água-com-açúcar, dispostos à clientela do horário.
Como eu gostaria de lembrar do nome do moço que nos servia aquela delícia. Com uma pinça, ele retirava o pequeno cuscuz de um carrinho assemelhado em tamanho aos de sorvete, envolvia cada um deles num pedaço de papel e nos entregava aquilo a preço irrisório. Tínhamos à mão, desse modo, um cuscuz que não esfarelava. Que milagre ele cometia? Ao cabo da tentativa de resgate do Cuscuz Bondade experimentado na adolescência, fiquei não apenas distante daquele sabor, mas, ainda, daquela consistência.
Outras experiências já me fizeram ver que meu pessoal não é de fácil agrado. Tenho, ao menos, um filho e um neto bem exigentes. Não comem de bom grado tudo o que lhes ofereço. Se nada sobrou do que então fiz à boquinha da noite daquele sábado foi porque, de fato, gostaram dos meus preparos.
Portanto, obrigo-me a supor que não haja defeito grave nessa minha receita. O problema pode estar em mim, posto que a eles, evidentemente, não falta o tempero das minhas saudades.
Uso o termo no plural por também me ressentir da extinção dos cinemas de rua, todos com bilheterias voltadas para as calçadas. Havia deles no centro comercial (os maiores e mais importantes) e em bairros diversos da cidade onde vim morar a partir dos meus 15 anos. Conto a filhos e netos invejosos que já tive um cinema do outro lado da rua, quase defronte à casa onde vivi com meus pais e meus irmãos. Chamava-se Cine Torre, nome tomado do nosso bairro. Acho que foi o primeiro a morrer, se a medição do tempo datar de 1961 para a frente.
Na Torre, à beirada da Epitácio Pessoa, também havia o Cine Metrópole. Vi filmes ali. E os vi, ainda, no bairro de Jaguaribe (no Santo Antonio e no São José) e em Cruz das Armas (no Bela Vista). Na área central, estive diante das telas do Cinema Brasil e, naturalmente, nas do já mencionados Rex, Plaza e Municipal. No Banguê, com título inspirado em romance de José Lins do Rego e instalação na Fundação Cultural a este consagrada, vi filmes imperdíveis. No Cine Tambaú, então abrigado no Hotel do mesmo nome, estive com a moça com quem casei e me deu os filhos que hoje não reclamam do meu Cuscuz Bondade. É claro: perdi outras sessões em cinemas que, existentes nas ruas da minha juventude, tinham nomes que agora me escapam da memória.
Não tenho ido muito aos de agora, digitalizados, com poucas cadeiras e telas pequenas, quando comparadas às antigas. Entendo, porém, que trazem a vantagem das salas mais fáceis de limpar e refrigerar, a do equipamento moderno, a dos lançamentos simultâneos e a da segurança para as pessoas e seus carros, porquanto sob o teto dos Shopping Centers, na maioria dos casos.
Mas, para os da minha e das gerações dela mais próximas, o bom mesmo era marcar encontro nas calçadas. Na fase adulta, era sair à rua findas as sessões, tarde da noite, sem medo de assalto. Habitávamos, então, um mundo melhor, mais pacífico e mais tranquilo.
Aos curiosos, aviso que podem encontrar receitas do meu cuscuz preferido em canais do YouTube. A exemplo da minha família, todos decerto gostarão do que mostram esses vídeos. Afinal, não provaram, com as saudades que temos, aquilo que saía daquele carrinho em frente ao cinema. Saía, também, é preciso dizer, da venda ambulante por bairros sucessivos e com os pregões de antigamente, antes do café da manhã. Isso tudo, como diz o título do mais icônico dos filmes, o vento levou.