“Bastou-me dar um passo para dentro das muralhas para vê-la em toda a sua grandiosidade sob a luz lilás das seis da tarde, e não pude reprimir a sensação de ter renascido”.
Foi o que disse Gabriel Garcia Marquez, ao chegar pela primeira vez a Cartagena das Índias, em maio de 1948.
E essa foi uma sensação semelhante à que experimentei, quando na Calle del Curato com Zerrezuela encontrei, enfim, a casa de Gabo, com seus muros altos, como a guarnecer a história e a solidão de um dos maiores da literatura.
Gabo tinha deixado Bogotá para escapar da explosão de violência que devastou a cidade após o assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán. Não trocava de roupa há vários dias e tinha apenas quatro pesos e um cigarro no bolso. Segundo seus biógrafos, dormiu na rua.
Mas, e aquela imensa casa florentino-alaranjada, defronte ao mirador das muralhas, onde para além está a imensidão do Mar do Caribe? Foi a casa que ele mandou construir, mas só em 1982, depois de ter ganho o Prêmio Nobel.
Não muito longe dali, estão suas cinzas, depositadas após sua morte em 2014, no Claustro de la Merced, um ciclo que se abre e se fecha em Cartagena e que torna a cidade sua íntima companhia por décadas. Não é que Cartagena respire Gabo, é o ar da cidade que ainda está impregnado com as palavras que semeou bem por ali, além e para mais de cem anos.
Estava nestas reflexões, quando fui surpreendido por uma voz:
“Sim, essa é a casa do escritor Gabriel Garcia Marquez, onde ele vinha passar umas temporadas. Hoje, quem mora aí é seu irmão e está sempre fechada, não dá pra visitar.”
Era Gabriel, um simpático vendedor de souvenirs, que ficou muito feliz quando eu revelei ser fã de Gabo..
E não parou mais de falar, me presenteando com uma pulseira, segundo ele, de pedras vulcânicas: “É um regalo, senhor. É sua!” Hesitante, peguei o mimo, que ele já se apressou em colocar no meu braço. “Quanto custa?”, indaguei desconfiado. Ele: “Já disse: é um regalo, um presente.”
Ele seguiu: “Esta casa ao lado é de Shakira, mas ele não vem mais. Decidiu que será um hotel…” E então, me conduziu para a esquina, e, adiante, para onde foi instalado o Hotel Makondo. Ali, bem ao lado, em outra casa, um mural com uma pintura em óleo de Gabo. Gabriel explicou: “Foi uma homenagem da cidade ao vencedor do Prêmio Nobel da Literatura.”
“Mas, você sabe, ele morreu no México, onde morava nos últimos anos de sua vida”, disse com certo amargor. O falante Gabriel, recomposto, seguia, citando personagens dos romances de Gabo, como Florentino Ariza, o coronel Aureliano Buendia, Úrsula Iguarán, o cigano Melquíades e mais falaria, se eu não interrompesse, para dizer que estava para a apresentação de meu livro no Espaço Cultural Claustro de La Merced.
Hélder Moura em visita à Casa de Gabriel García Marquez e Espaço Cultural Claustro de La Merced (Cartagena das Índias Acervo do autor
Então, enquanto eu já me despedia, ele me estendeu a mão e disse: “É apenas 40 mil pesos…” Eu, surpreso, indaguei: “Mas, você me disse que era um regalo, um presente a um escritor e leitor de Gabo!” Ele, com aquele riso caribenho um tanto malandro:“A pulseira é um presente. O dinheiro foi pelo meu trabalho de guia!”
Que não pedi...