Ouvimos constantemente que há uma crise no Brasil referente à proficiência leitora, haja vista os dados revelados por pesquisas, como Retratos da Leitura no Brasil. Para conferir os resultados da 5ª edição, sugiro fazer a consulta na internet, pois quero me deter à escola que, por excelência, lhe cabe o papel principal de agente letrador. Todavia, se investigarmos como o acesso aos livros é ofertado, sobretudo nas instituições públicas brasileiras, ver-se-á que a maioria não dispõe sequer de uma pequena biblioteca.
Na escola estadual em que atuo, questionei recentemente acerca da ausência desse espaço destinado à leitura, ao que recebi como resposta: “não existe, professor, desde 2009, quando precisamos desativá-la, porque os docentes e os alunos não a utilizavam e necessitávamos do lugar para servir como sala de aula”. Além disso, foi mencionado que a biblioteca era utilizada como local cuja finalidade era manter os alunos de castigo.
Destaco que já se passaram 15 anos desde quando a biblioteca dessa escola foi extinta. O que mais me entristece é saber que essa realidade não é rara. Estou discorrendo acerca de uma instituição central, numa capital, em um bairro que não considero como periferia. É de se pensar como estão as outras regiões de ensino espalhadas pelo Brasil. “As bibliotecas, antes de serem estas infinitas estantes, com vozes presas dentro dos livros, foram vivas e humanas, rumorosas, com gestos, canções, danças entremeadas às narrativas”, diz Cecília Meireles. No entanto, segundo Censo Escolar realizado pelo portal Qedu, em 2014, 53% das mais de 120 mil escolas públicas do país não têm biblioteca ou sala de leitura. Infelizmente, não creio que essa situação tenha melhorado.
Incomodado com essa realidade, tomei a iniciativa de formar um “carrossel” de livros a partir da experiência apresentada no livro “De alunos a leitores”, de Celso Ferrarezi Jr e Robson S. de Carvalho (Parábola, 2017). Para isso, selecionei obras literárias que estavam espalhadas pela escola, somadas às do meu acervo pessoal e outras doadas pelos alunos para que cada participante do projeto pudesse fazer a leitura (voluntária) dos livros. A cada semana, os envolvidos levam um livro diferente para casa, trocando-o na próxima. Para quê? Para simplesmente ler, pois diversos benefícios se somam a essa atividade. Com essa iniciativa, descobrimos que a maioria não era leitora por falta de acesso e de incentivo. Vi vários alunos ansiando pela leitura, alguns até começando a fazê-la de imediato; outros que leram até 400 páginas em sete dias.
O que se perde com ausência de uma biblioteca? A imprescindível exposição aos livros, obras e autores da literatura que precisam ser apresentados aos alunos, descobertos por eles, por constituírem uma forma inalienável de promover cidadania, humanização, (re)conhecimento de si e do próximo. É pouco provável que um estudante se desloque de sua residência ou tome a iniciativa de buscar obras literárias se não houver espaço e tempo disponíveis onde ele estuda. Também é necessário que toda a comunidade escolar, não apenas o professor de Língua Portuguesa, insista no valor da leitura para que o discente possa efetivamente se emancipar.
Poucas coisas são tão lamentáveis a um educador quanto se deparar com uma sociedade que está se limitando, quero dizer, sendo atrofiada pelo descaso de um país que tem todas as condições financeiras de prover educação de qualidade, mas que entrega migalhas e, muitas vezes, tem dados estatísticos maquiados, fazendo que quem está fora do sistema educacional acredite que ele vai “muito bem, obrigado”. São três letras mágicas que têm o poder de salvar vidas: ler.
Não há como transcender os horizontes de uma nação se os indivíduos não tiverem a capacidade de leitura ampliada, para além da mera decodificação de grafemas. Como afirmou o poeta Bartolomeu Campos de Queiroz: “O fundamental é convocar o homem para tomar a palavra. Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para fazer-se menos indecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades do isolamento [...]”. Essas grades precisam ser quebradas, ou melhor, não devem sequer ser construídas.
Sonho com um Brasil repleto de bibliotecas públicas, com livre acesso, cujos espaços não sejam de silêncio, mas de promoção de conhecimento e, por conseguinte, de mobilidade social.