Há gente com jeito de tudo, com modos, tamanho, ou forma das coisas e criaturas mais diversas. Margarida, uma amiga de infância, nã...

Bambu da sorte

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Há gente com jeito de tudo, com modos, tamanho, ou forma das coisas e criaturas mais diversas. Margarida, uma amiga de infância, não tinha apenas nome de flor. Tinha, além disso, a essência. Podia, igualmente, simbolizar a juventude, a delicadeza e a inocência. Às vezes, nós, os colegas de escola, mexíamos nos seus cabelos como se neles buscássemos algo. Inicialmente intrigada ela, passado o tempo, já não nos perguntava o quê.
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Sabia da resposta: as pétalas. E, encabulada, nos afastava com mãos e gestos leves. Diz-se da margarida que é a flor das donzelas. Pronto: tal e qual.

Fosse bicho, outro amigo nosso seria um porquinho. Não se negava, quando solicitado, a cuspir golfadas daquilo que tivesse no estômago. O bolo lhe subia pelo esôfago sem esforço nenhum. Se nada tivesse na barriga, bebia um tanto d’água para lançá-lo fora no mesmo instante. Orgulhava-se da imundície. As gargalhadas à sua volta eram seu momento de glória.

Dizíamos que Seu Camelo, o cambista, fazia jus à corcova. Acho, agora, que preciso explicar o termo. Pois bem, no caso em pauta, cambista é quem anota as escolhas do jogo do bicho. Um exemplo: “Quero apostar no coelho”. Assim pedisse o apostador, Seu Camelo trataria de registrar na pule a milhar finda com uma das quatro dezenas pertencentes a este grupo (37, 38, 39 ou 40), conforme solicitado. Qualquer um podia, ao mesmo tempo, jogar na dezena, centena e milhar. Quem quer que fosse, se bafejado pela sorte,
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acordaria endinheirado. Diga-se, porém, em nome dos bons costumes, que tal jogo é atividade ilícita desde o tempo do presidente Eurico Gaspar Dutra. Mas, fazer o quê? Há leis e decretos abaixo da linha do Equador com o valor de um risco na água.

Tanto quanto Ângela Maria, dona de uma das mais belas vozes do cancioneiro nacional, Mariana era sapoti. Irrequieto, tonitruante, Pedrinho não era gente nem bicho. Era fenômeno atmosférico e respondia por Trovão. A propósito, nos dias de hoje, há alguém assim também conhecido na Câmara dos Deputados. Dirigia caminhão e foi às urnas com esta alcunha, caso contrário, os eleitores não o reconheceriam.

Com os apelidos ocorre assim: muitos os incorporam de bom grado. Joaquim José da Silva Xavier talvez não gostasse do depreciativo Tiradentes. Mas é como passou a ser venerado este mártir da nossa independência, o Patrono da Nação, o homem esquartejado em praça pública
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Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho), retratado por Euclásio Ventura ▪ Wikimedia
e, a partir daí, retratado com as feições de Jesus. Não sei muito da arte barroca mineira, mas duvido de que Antonio Francisco Lisboa deixasse de responder por Aleijadinho. Duvido, também, de que alguém, estudioso ou não do tema, trate por Antonio o arquiteto, entalhador e escultor maravilhoso que ele foi. Até porque o defeito físico e a capacidade de superação do seu grave problema lhe engrandeceram o espírito e o talento.

Eu dizia que há gente com modos e jeito de tudo. Isso mesmo, até de mapa. E ninguém venha dizer que desconhece a existência de outro político brasileiro tratado, nacionalmente, por “Mapa do Chile”, em razão do comprimento e da magreza. Falo, evidentemente, aos mais adentrados. Tive a oportunidade de entrevistá-lo para o extinto “O Norte”. Era calmo, pacífico e decente aquela criatura.

Mas vamos à razão do que agora escrevo. Saí da cama, esta semana, para dar de cara com um bambu da sorte, presente da segunda nora. Ela e a sogra são, na justa expressão popular, a tampa e a panela, as metades da laranja, unha e carne. Como essas duas se dão bem.

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Disseram-me que essa plantinha exige pouco para prover aquilo que os felizes proprietários esperam dela. Deem-lhe um vaso com água num ambiente sombreado e crescerá sem problema. Também não recusa jarros com terra, desde que não descuidem da irrigação.

Perguntei ao Google, por via das dúvidas, para que serve o bambu da sorte. Resposta: serve para aumentar o fluxo de energia positiva dentro de casa, para trazer saúde, longevidade e prosperidade à família que o mantiver forte e são. Cresce para cima, verga e não se quebra. Parece uma miniatura dos pés de bambu encontrados na natureza. Mas não é, ao que também sou informado. Originário da África, pertence ao gênero “ruscaceae”. Foi na Ásia, entretanto, que adquiriu a boa fama.

A mesma fonte me conta que os chineses o utilizam a fim de demarcar ciclos de vida, coisas a exemplo de nascimentos, casamentos, mudança de residências e trabalhos novos. Ah, como eu gostaria de acreditar em que apenas um dos seus caules nos traz a boa sorte. E que dois deles garantem o amor e a união.

Aqui em casa, três caules sobre a mesa hão de nos proporcionar longevidade, prosperidade e felicidade, como entende minha jardineira preferida. Logo teremos quatro, promete ela, pois nessa quantidade o bambu da sorte nos protege
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das doenças. Se, de algum modo, vier eu acreditar no que ouço, optarei por cinco caules. Afinal, preciso da criatividade e do entusiasmo também prometidos.

Na cidadezinha onde eu quase nasci, Seu Israel teria jeito de bambu da sorte, é o que me ocorreu ao cabo da minha consulta ao Google. Aquela alma boa, afinal, veio ao mundo para servir aos que dele precisassem sem nada exigir além de gestos mínimos de consideração. Viveria de jarro e água, se planta fosse.

Farmacêutico, ao pressentir a morte, escondeu o caderno de fiados para que os filhos não fossem cobrar dos amigos mais pobres pelos remédios despachados. Ele e sua farmácia morreram com um único suspiro. Repito: as pessoas podem ter aparência e modos de tudo. Um bambuzinho aquele Seu Israel.

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  1. Você nem precisa do quinto caule, Frutuoso, pois a criatividade não lhe falta. Texto bom para se iniciar o fim de semana. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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    1. Honrado pela leitura e em razão, também, da pena que me escreve. Um abraço, Gil. - Frutuoso.

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