Nessas andanças pelas veredas da literatura, minha última aventura foi afiar o cálamo para colocar no pergaminho as tragédias, as des...

Aida, Gil, Eitel... e eu

memorias indecentes livro literatura paraibana
Nessas andanças pelas veredas da literatura, minha última aventura foi afiar o cálamo para colocar no pergaminho as tragédias, as desesperanças, o altruísmo e uma incansável força de viver, atributos de uma mocinha de programa. Dei a ela (à moçoila e não à obra) o nome de Aída. Aída? Por que este nome? A sugestão não me veio da ópera de Giuseppe Verdi, em que Aída era uma princesa etíope que fora capturada e levada ao Egito como escrava. Ali se apaixona pelo general Radamés, o que motiva o imbróglio e aquela confusão toda. Talvez tenha sim, ocorrido uma sugestão subliminar. Explico: lá em priscas eras, quando eu ainda cursava o Científico, Aída era a moça mais bonita de minha sala. Alta, magra, olhos de jabuticaba... linda. Só o nome me inspirou, no mais nada a ver com sua xará cuja história fui recolher pelos muros da vida.

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Cenário da ópera Aída (Arena de Verona, Itália (T. Weimar
A Aída de agora, creiam-me, merecia também uma ópera, mas teve que se contentar com os rabiscos deste escrevinhador aqui. Também viveu tragédias, só que diferentes das que viveu sua homônima etíope.

Minha protagonista relata sua relação com nove dentre tantos homens que dividiram com ela a alcova. Esses nove foram aqueles que de um modo ou de outro marcaram sua vida. Quer pelo bem, quer pelo mal.

Durante o processo de criação, atrevi-me a achar que aqueles escritos iriam tomar o formato de um conto grande, o que é diferente de um grande conto. Acabou tendo o jeito de uma novela, quiçá de um romance. Enquadrar essas garatujas em um determinado gênero, parece-me preocupação de pouca monta, o que não deve ser motivo para colocar em entropia esses meus preguiçosos neurônios.

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O livro, uma vez publicado, tira do autor qualquer poder sobre o que produzira. Assim, Memórias Indecentes, é um texto que não mais me pertence. O que está ali registrado é “ad aeternum”. Não há arrependimento que me permita alguma correção. Então, vou me justificando dizendo que Aída foi produto de minhas inquietudes em humanizar criaturas que são colocadas nas prateleiras da vida. Nos jargões da rua, minha heroína era, sem meias palavras ou eufemismos, uma puta. E foi nessa “mulher de vida airosa” que fui buscar aquelas virtudes que brotam apenas em almas iluminadas. Aída vendia seu corpo, mas não negociava sua alma e nem os seus princípios. Conhecia a arte da sedução. Era uma profissional do prazer, era uma gueixa, era anjo e demônio. Na medida em que meu texto fluía, essa meretriz ia me seduzindo a cada tragédia, a cada ato de bondade e a cada recomeço. Se não foi paixão, foi algo parecido.

Gil Messias e Eitel Santiago radiografaram essa minha cria. Incapazes que são esses dois amigos de dizerem ou escreverem inverdades, aceito sem pejo as lisonjas e considerações que deles partiram. Vamos a elas.

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Francisco Gil Messias Arquivo pessoal
Gil, foi buscar, todo cheio de cuidados. em Emma Bovary de Flaubert, aquela mistura mágica em que criador e criatura se confundem. Aliás, Flaubert foi julgado em 1857 por ter escrito uma obra moralmente execrável para os padrões morais da burguesia francesa, simplesmente por tratar o adultério de forma tão explícita (hoje seria banal). Ao ser interrogado, nosso réu limitara-se a dizer: Emma Bovary c’est moi, Gil encontrou um pouco de Aída em mim. Isso na forma de encarar o mundo, na resiliência, talvez. Na intenção de que não houvesse interpretações nebulosas sobre minha pessoa, escreve esse meu amigo [...] Não cheguei a tanto, afirmando que nosso pacato mestre de matemática, cuja virilidade é explícita. Mas, do ponto de vista ficcional, pode-se dizer que sim. [...]. Gil é elegante no trajar e no escrever; mostrava no texto de sua lavra o que havia de mim nela e dela em mim.

Já Eitel, foi às estepes russas buscar Sônia Marmeladov em Crime e Castigo de Dostoievsky para compará-la à minha Aída [...] não perde a dignidade; ela mantém a fé; ela acredita na força restauradora da religião e do amor. Por isso acompanha o jovem Raskolnikov, quando ele vai cumprir nas planícies
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Eitel Santiago Brito Pereira
Acervo pessoal
gélidas da Rússia, as penas que lhe foram impostas pelos terríveis latrocínios cometidos. Há muito em comum entre Aída estuprada por um tio e Sônia (ou Sonja, em russo significa sábia) que foi instigada e coagida pela madrasta Catierina Ivanovna a se prostituir para ajudar e alimentar seus meio irmãos e também sustentar os vícios do pai, um bêbado inveterado.

Eitel e Gil, cada um ao seu modo, garimparam na personalidade de Aída o que ia além das indecências de alcova. Acabaram encontrando uma gema preciosa, uma conta luzidia que só brilha na alma de criaturas iluminadas.

Enfim, minha Aída, ao contrário de Sônia Marmeladov e Emma Bovary, é uma ilustre desconhecida. Pouca gente a conhece nesse mundão de Deus. Então, caro leitor e estimada leitora, estimo que não a julguem. Deixem-na envelhecer em paz.

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  1. Obrigado, Paiva, pelas generosas referências. Grande abraço. Francisco Gil Messias.

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