Meu irmão Luiz Carlos, o Cacau, foi ter uma conversa com Deus bem antes do combinado. E a palestra com Ele deve ter demorado um pouqui...

A trágica história de um bolo de aniversário

conto aniversario cronica nostalgia
Meu irmão Luiz Carlos, o Cacau, foi ter uma conversa com Deus bem antes do combinado. E a palestra com Ele deve ter demorado um pouquinho, porque uma das idiossincrasias desse meu irmão era aporrinhar juízo de criança. E me parece que O lá de cima não gosta que façam essas coisas com os pequeninos. Pelo menos é o que dizem.

Pregar susto era com ele mesmo. Isso desde pequeno. Bastava encontrar um menorzinho do que ele e pronto, pobre da criaturinha. Posso dizer que se divertia com isso. Depois era todo atenção e todo chamego com os pequenos. Era difícil entender porque gostavam tanto dele. Qual a magia para conquistá-los? Mas era isso que acontecia. Agora vamos a uma dessas peripécias que me veio à memória numa dessas noites mal dormidas.

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Aconteceu num domingo à tarde, aniversário de um nosso irmão, o quinto na fila de seis que meu pai deixou no mundo. Cacau era o terceiro. Família toda presente àquelas bodas.

À época, eu já casado, tinha duas meninas. Minha irmã, a segunda da fila dessa escadinha onde eu era o primeiro, já era mãe de um casal. No caso, as crianças entre seus cinco, seis e sete anos. Junto dessa patota, minha irmã caçula que regulava de idade com os sobrinhos. Essa aparente disparidade etária recorria do fato que o aniversariante e a caçula eram frutos de um segundo casamento de meu pai. A aritmética registra seis personagens, incluindo o homenageado da ocasião. Acrescente-se a eles mais uns seis convidados, amigos de escola ou da vizinhança. Temos uma tropinha de mais ou menos uma dúzia de componentes.

A casa de meu pai tinha um bom quintal e essa garotada estava ali tentando gastar aquela inesgotável energia que as crianças têm. Crianças nessa idade, quando se juntam, o que mais gostam de fazer é gritar e correr. Até hoje não entendi porque gritam tanto e nem porque não param de correr. Ficam todas suadas, sem mais e nem menos choram por um motivo banal ou por uma queda. Logo depois estão serelepes como se nada tivesse acontecido.

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Foi assim naquele final de tarde. E podia ser diferente? Muito grito, muita correria entre um copo de refrigerante e a mordida num quindim, num cajuzinho, num brigadeiro, confeitos que não podem faltar em um evento dessa natureza.

Bem, acontece que o Cacau apareceu e viu a oportunidade de aprontar uma das suas, não com um ou dois, mas com o regimento de uma dúzia de pirralhos, se não me falhou a aritmética.

Tudo indo normalmente até aquele instante em que todos se juntaram em torno da mesa onde se encontrava o tal bolo de aniversário. Aliás uma obra de arte de minha madrasta.
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Um confeito com a arquitetura de um Forte Apache. Uma lindeza Era hora de cantar o “Parabéns pra você”. Detalhes que não me saem da memória: Todos aqueles capetinhas entoaram entusiasticamente aquele mantra, mas não tiravam o olho de onde? Do bolo.

Meu irmão (estou falando do pequeno e não do Cacau) soprou aquela velinha que tinha na cabeça do pavio o número 6. Aplausos, mas a meninada firme, e de olho no bolo. Minha madrasta cortou a primeira fatia. Para quem você vai dar o primeiro pedaço? Pro meu avô, respondeu o homenageado. E o avô paterno foi contemplado com a primeira fatia naquela carinhosa manifestação de benquerença. Aí vem o Cacau em alto e bom tom:

— Acho que esse bolo não vai dar pra todo mundo.

Pronto! Foi um Deus nos acuda, mas num silêncio, como dizem? Sepulcral. Um drama digno da inspiração de Kafka. Aquele confeito tentador iria suprir a vontade e o apetite de toda daquela tropinha? Cada um que recebia sua fatia num pratinho com garfo, ambos de plástico, sentia a alma lavada e
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já pegava o beco querendo procurar um cantinho para mandar os beiços naquela iguaria. Mas e quem ficava na mesa... E os olhinhos observando, querendo saber para quem ia a próxima fatia? Não foi o meu ainda, de quem será o próximo? Era a pergunta que machucava cada um daqueles coraçõezinhos que se sentia preterido. Depois de servidos uma meia dúzia daqueles nacos tentadores já dava para perceber que ninguém ia ficar sem sua parte. Mas o Cacau...

— Como é? Não vai servir os adultos também?

Por quê? A angústia retorna. E se começassem a servir os adultos? Iria sobrar alguma coisa? Minha madrasta foi incisiva:

— As crianças, primeiro!

As últimas a receberem sua parte foram minhas duas filhas. Ainda me recordo dos seus olhinhos, ali na expectativa. Que tortura! Então, meus amigos, minhas amigas, jamais sequer insinuem a uma criança que não vai sobrar um pedaço do bolo de aniversário para ela. Quem faz isso está sem Jesus no coração. Cacau estava desse jeito naquele dia.

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