“O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos”.
Affonso Romano de Sant'Anna
Affonso Romano de Sant'Anna
Eu a vejo nas redes sociais, nos sites de encontro, nas ruas, no trabalho, seja um escritório, um balcão. Ela está ali, atenta e vagante na tentativa de melhor cumprir a sina, nem sempre escolhida, mas acolhida. Tem um rosto comum, não foi esculpido em carrara, tampouco em onerosos cremes antirrugas. São faces por vezes preservadas pelos protetores solares, por outras marcadas pelo sol que lhes fingiram histórias. Elas têm os olhos da Juliana Paes, a postura da Marcélia Cartaxo, o sorriso da Zezita Matos. Elas têm, elas são o próprio porte airoso tão assiduamente retratado nas obras de José de Alencar.
O seu andar é mais que poema, fruto das epopeias escritas a cada passo avançado sobre o medo. Nas vezes em que represou o choro, calou a noite e emprestou voz aos afônicos. Também já necessitou que lhe devolvessem a fala, por isso gritou, grito abafado, cujo eco sentiu no útero. Gerou-se, então, aprofundamento, consciência de si e do mundo. Estava decidida a não se render a sujeitinhos e sujeirinhas. Por isso, fez as unhas, passou a escova no cabelo e colocou seu melhor perfume para se recordar de quem nunca deveria ter esquecido. Ela mesma.
A mulher madura atravessa o tempo. Sua bússola é seu coração, sempre à mão, apertando-o e alargando-o, pronta para o amor, latejante e patente. Não consegue esconder na pupila, na voz desejante, rouca, trêmula. Disfarça, mas não sustenta. Equilibra-se, pois os rompantes juvenis lhe ensinaram a calçar os sapatos. Como flor, cresceu estabanada e os espinhos funcionaram como setas para apontar-lhe a direção. Os peitos despontaram, os pelos saltaram, depois sumiram. Ela não tem saudade. Tem nostalgia, mas, predominantemente, olha para frente. O mundo adiante é maior que o instante, mas o instante-já, como diria Clarice Lispector, é gozo sob o seu olhar múltiplo, periférico e nada dissimulado.
Toda mulher tem direito à maturidade, porém para as pobres, as negras, as violentadas é uma necessidade. Não costuma ter a cor fresca dos filmes de Almodóvar. Tem as sombras das telas barrocas. Não tem música, tem sirene, um alerta ressoando no corpo e na alma, que clama, reclama e se reinventa para seguir vivendo...
Ah, maturidade não é velhice. Cada idade tem a sua conquista, as suas renúncias. Maturidade é saber-se reinventar não por conveniência alheia, por querer ser mais e melhor para si e todos ao redor – na medida do possível. Nas prendas do tempo, o aprendizado. Nas fendas do tempo, a oportunidade de imergir na autenticidade. Mulher madura tem a criança que foi nos braços e sabe acalentá-la. E sabe pô-la em seu lugar quando esta faz birra.
A mulher matura não exige que alguém a note, não reclama atenção, está atenta aos sinais, do corpo, do tempo, da vida, do trânsito de si pelos amores, pelas dores. Agora transita com sabedoria, vai da ilusão ao desengano e se move rumo à esperança desprovida de ansiedade. Está pronta para amar e ser amada. E deseja alguém tão maduro quanto.
Esse texto não é para a mulher madura. Ela não precisa dele. É para a mulher que ainda não encontrou o solo, ainda não fincou as raízes no seu ser. A menina que se olha no espelho muitas vezes quer quebrá-lo. Melhor seria fazer as pazes consigo, observando-se por outro ângulo. Em 360 graus, talvez.