Era uma caixa grande, que deixava antever os vinte e quatro lápis de todas as cores do arco-íris. Hoje, talvez, poucas crianças deem importância a isso. No meio de tantos brinquedos “irados”, por que uma caixa de lápis?
Mas, aquela menina, de vida cinzenta, fechada em si mesma, que agora tantos passados poderia contar, as vezes em que sorria em unidades? O riso, então, esse ela desconhecia.
Seis, sete, oito, nove e dez. Anos contados no dia-a-dia. Pesados. Sufocantes. Da área na qual tomava conta de uma menina, ouvindo gritos a todo instante, para o sótão, onde dormia e no qual, sentando-se sobre as telhas de uma abertura no telhado, passava noites e noites, acordada, vendo as estrelas.
Essa garota, ou melhor, o “traste”, o “saco de batatas”, como a chamavam porque era gorda, ou melhor, a tornaram gorda, sonhava com aquela caixa de lápis de cor. Por quê? Sem amigos, sem brinquedos — haviam jogado fora a sua “bruxa” de pano, único brinquedo que tinha. Agora, adotara os segundos em que um lustrador de móveis, como ela, tratado como nada, que, por fazer “Belas Artes”, ensinava-a. Ela tinha paixão pelo desenho. O lustrador dava-lhe pedaços de lápis e eram aproveitados, às escondidas. Desenhava nos rótulos das latas de leite, que eram de papel e podiam ser retirados. Era um segredo.
Pedia que lhe comprassem pelo menos uma caixa de seis lápis para a escola. " quê? — Você já não sabe nada e ainda vai perder tempo". E a mãe, como doméstica, que só a via a cada quinze dias, dizia:
⏤ Filha, eles cuidam de você.
Teria sido para isso que atravessara o Atlântico? Teria sido por isso que lhe tiraram livros que o pai que morrera lhe dera? Ela não sabia ler. As histórias, porém, repeti-as, baixinho.
Um dia, ela saiu da escola, em frente da casa de seus tios, e resolveu aventurar-se um pouco mais além. Foi à esquina da rua, na qual havia uma exuberante “Casa Matos”. Na vitrina, uma maravilhosa caixa com vinte quatro lápis. Ela ficou ali, sonhando o que faria com eles. Como poderia colorir seus cadernos, pois os das outras, tinham florzinhas. Imaginou como faria o desenho de um belo quadro que havia na área onde tomava conta da menina. Imaginou verdes, amarelos e azuis por toda a parte.
Só não imaginou que, por estar demorando, vieram em grupo à sua procura, já de cinto na mão. Apanhou na rua. Apanhou em casa. Umas das suas maiores surras, com marcas pelo corpo pequeno e branco.
Mas continuou a sonhar colorido. Pelo menos sonhava.