A reflexão interior nos conduziu, há algum tempo, para uma grande
piedade na hora de jogar a semente de uma fruta no lixo. Imaginar o fenômeno que há ali dentro, a energia vital capaz de fazer brotar um novo ser, pronto para se reproduzir em terra fértil, tornou-nos, destarte, cuidadosos com seu destino, na medida do possível.
Em meio ao prazer de descascar uma manga, uma pera, abrir um mamão, uma pinha, cheia de caroços, e degustá-los, dá para sentir o gosto de todos os ventos, chuvas, orvalhos e luares que os “adubaram” e os “acariciaram” por um longo tempo, até chegarem à nossa boca.
Antes, durante, e depois deste regalo, emerge-nos carinhosa gratidão, sobretudo quando nos restam, apenas, as sementes. Então, de tempos em tempos, de preferência nas estações amenas, do outono à primavera, reservamos alguns dias para pedalar por aí, pelas relvas, nos topos de falésia, pelas trilhas dos resquícios de mata atlântica, e, aqui e acolá, enterrar uns caroços de manga, umas sementes de guajiru, de melancia, de melão, entre outras guardadas e secas ao longo do verão.
Ao cavar e colocá-las no buraco, a ternura vai adubar os punhados de terra com que as cobrimos, na esperança de que renasçam, em breve, gostosas como as saboreamos.
Hoje foi dia. A areia estava úmida, cheirando à chuva de ontem, e a brisa do mar anunciava a natureza prestes a trocar de roupa para receber o inverno.
A cada buraquinho, uma emoção. Com a ajuda de um graveto e um caco de telha, estava aberto o leito onde se replantava o mais espetacular fenômeno da Natureza: a vida!
Ao fechar cada covinha, alisando a terra com a mão, desejava intimamente, quase às sementes cochichando: Tomara que, um dia, eu ou minha alma passe por aqui e, se Deus quiser, aviste vocês todas crescidas e florando. E que minha fé seja igual àquela a que Jesus se referiu, “de tal modo que as aves do céu venham pousar em seus ramos”.