Na crônica “Todo mundo pode errar um pouco”, publicada em “Um cartão de Paris”, Rubem Braga most...

''Pérolas''

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Na crônica “Todo mundo pode errar um pouco”, publicada em “Um cartão de Paris”, Rubem Braga mostra alguns descuidos cometidos por estudantes franceses na redação. As “pérolas” foram extraídas do livro “de um tal de Maurice Rat”, que também faz questão de mostrar deslizes cometidos por escritores renomados.

São comuns as publicações de bobagens, disparates ou incongruências cometidas por vestibulandos. Vez por outra me deparo com um desses bestialógicos, que alguém já batizou de “antalogia”.
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Honoré de Balzac Louis Boulanger
Mas deve consolar os autores saber que grandes nomes da literatura também dão suas escorregadas.

Balzac, por exemplo, já escreveu: “São onze horas, disse o personagem mudo.” Um tal de Florian, na tradução do “Dom Quixote”, disse que moças do campo “morriam aos 50 anos tão virgens quanto suas mães.” Ponson de Terrail afirmou de um seus personagens que “passeava sozinho pelo parque, as mãos às costas, lendo seu jornal”. Parece que esse autor era meio distraído quanto aos limites dos nossos membros superiores, pois em outra passagem escreveu que alguém “precipitou-se pela janela tendo uma pistola em cada mão e dizendo com a outra: Inferno”.

Os estudantes franceses dizem coisas parecidas com as que encontramos em textos dos nossos alunos. Dou a palavra ao velho Braga: Um rapaz escreve “Rousseau, apesar de doente da bexiga, tinha um estilo muito fluente...”. Outro fala no “aperitivo categórico” de Kant. Alguém definiu os puritanos como “uma seita de protestantes que não tinham dinheiro”.

paris rio sena
MS
O fato de escritores também darem suas mancadas mostra que nem sempre elas se devem a ignorância. Ocorrem muitas vezes por desatenção ou pela busca de ênfase, quando a emoção se sobrepõe ao juízo. Os autores literários terão como desculpa a licença poética; já os alunos, que não podem apelar para isso, têm mesmo que humildemente assumir as falhas. Se elas fazem rir, também podem levar a uma maior compreensão dos mecanismos expressionais da língua.

Selecionei abaixo algumas “pérolas” de alunos meus (a que se seguem breves comentários):

▪ “A originalidade está passando por um período turbulento, raramente há a apresentação de ideias originais” (Entende-se que a originalidade “escasseie”, “esteja em falta”, mas não que enfrente turbulência).
▪ “A ONG SDB (Salvadores do Brasil) se propõe a resolução de um problema grave, que é tentar tirar a mãe do Brasil da zona” (Sem comentários).
▪ “Manifesto nessa carta meu sincero ponto de vista acerca da proposta de lei 267/11, que arremete punição aos estudantes que agirem imoral ou despudoradamente com os professores” (O exato seria dizer que a proposta de lei “prevê”, “estabelece” punição).
“Os jovens devem ser severamente punidos pelos atos cometidos, sem terem direito a algumas arregalias que o poder judiciário dá as pessoas de classes sociais mais altas” (Certos privilégios e vantagens, mesmo que sejam de esbugalhar os olhos, são apenas “regalias”).
“Muitos jovens só leem por descarrego de consciência” (Existe “descarrego”, que é o ato de “descarregar”, mas o que cabe no contexto é mesmo “desencargo”).
“Quando a polícia entrou no quarto, o cadáver ainda respirava” (Sem comentários).
“As pessoas que sabem administrar o tempo podem desfrutar de suas necessidades além do emprego” (Uma necessidade “se atende” ou “satisfaz”; não se desfruta).
“O Brasil é um país de extremos. Vangloria-se demais ricos que ganham dinheiro sem trabalhar de forma honesta” (Vangloriar significa “envaidecer, ostentar os próprios méritos e conquistas”; não é o mesmo que "enaltecer", "glorificar").
“Para compensar a educação precária das escolas públicas, o governo cria leis como essa, que não fluem” (Diz-se que no Brasil as leis não “pegam”, não são assimiladas pela população. Daí a não fluírem...).
“No Brasil a maior parte ambiental, por assim dizer, se dá na Amazônia” (Certamente o aluno quis dizer que a Amazônia tem um importante papel na preservação do meio ambiente).
“Os problemas precisam ser discutidos internamente, sem precisar chegar a uma alça superior” (“Alçada”, que significa jurisdição, nada tem a ver com alça. A troca de uma palavra pela outra é mais uma dessas confusões que se fazem com os parônimos).

Há nas passagens acima, como se viu, imprecisões conceituais, inadequações vocabulares e desvios em relação à norma culta. É um material “bruto” e... sincero, que revela tanto a carência de leitura, quanto a pouca habilidade no manejo da língua. Utilizá-lo para exercícios de refeitura pode levar a um gradativo aprimoramento da competência escritural dos alunos.

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  1. Flávio Ramalho de Brito4/6/24 02:30

    A "carência de leitura, quanto a pouca habilidade no manejo da língua" atinge não só os noviços vestibulandos mas, também, alguns pomposos "acadêmicos"

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    1. Anônimo6/6/24 18:22

      Infelizmente, é verdade. Nem todos têm a desejável cultura literária.

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  2. Anônimo4/6/24 07:06

    Saboroso texto, Chico. Seriam cômicos se não fosse trágicos, esses erros dos nossos alunos. Mas ainda bem que existe o exímio professor Chico Viana para ensiná-los e corrigi-los. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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    1. Anônimo6/6/24 18:26

      Grato pela leitura, Gil! O ensino é um desafio do qual a gente procura se sair bem. Às vezes com algum sucesso.

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