Poderia ser, talvez, um feriado. Mas, mesmo nos feriados, havia sempre quem se aventurasse sair. Era mais que isso. Uma paralisação geral? Não ouvira qualquer convocação. Impossível não saber. O celular! Se as pessoas não estavam nas ruas, estavam com certeza no seu celular. Não é nele onde todo mundo se encontrava? Estava ali a hora, pelas oito da manhã. Mas, sem mensagens. Ninguém online. Que espantoso. As pessoas estão sempre disputando aparecer nas mídias digitais. Mas, afinal, onde estão todos?
MS
O sinal está verde. Aliás, parece nunca ter sido vermelho, a julgar pelo tempo que estava aberto, enquanto Cilgin olhava seu celular. E permaneceu verde. Ele vai, segue pelas ruas assombrosamente vazias. Aproveita para apressar o carro. Um prodígio que só poderia experimentar no trajeto de ida ao trabalho num dia assim, sem trânsito algum. Um domingo, certamente. E quando olha para o celular, ele vê que o aparelho insiste: é uma segunda-feira. E sabe que não adianta contestar o aparelho. Ele está sempre certo. Aliás, a impressão para Cilgin é que só ele está errado, num mundo tão insistentemente certo.
Encontra estacionamento fácil demais. Nunca ocorreu antes. Que maravilha, afinal, uma segunda-feira assim tão domingo. O elevador chegou tão rapidamente, que Cilgin
MS
Decide tentar pelo computador. A tela acende azulada, mostra a imagem de uma praia bordada de rochedos. Parece uma foto fabricada. Andam alterando cenários do mundo com os computadores. Coisas que de tão artificiais, até parecem naturais. Aciona a Internet. Comemora. Está ali. Está conectado. Então, era uma ideia tola, afinal. Vai nas redes sociais. Elas estão exatamente como ele havia deixado na noite anterior. Sem novas postagens, contudo. Envia mensagens e aguarda, ansiosamente, pelas respostas. Que não vêm. Passa o tempo, tenta novamente, ninguém responde.
* Excerto do livro de Hélder Moura, 'A insana lucidez do ser', publicado recentemente (Editora Ideia), disponível na 👉🏽 Livraria do Luiz.
"Vê-se que a culpa é um forte componente da sua narrativa. A imagem onírica do sapo estuprado pelo porco antecipa o que se evidenciará, linhas depois, na cena do menino sendo violentado pelo adulto (meta-foricamente um “porco”, vocábulo a que se associam imundície e abjeção). A esse animal indiretamente se vincula a figura do pai, que permaneceu omisso e silencioso ante o sofrimento do menino." (Chico Viana)
"Vê-se que a culpa é um forte componente da sua narrativa. A imagem onírica do sapo estuprado pelo porco antecipa o que se evidenciará, linhas depois, na cena do menino sendo violentado pelo adulto (meta-foricamente um “porco”, vocábulo a que se associam imundície e abjeção). A esse animal indiretamente se vincula a figura do pai, que permaneceu omisso e silencioso ante o sofrimento do menino." (Chico Viana)