Acendem-se, amanhã, as últimas fogueiras juninas, as de São Pedro. Mais do que em outras partes do Brasil elas iluminarão os terreiros do Nordeste. Pelo costume, já se sabe que não serão tantas nem tão grandes quanto as do dia 24, consagrado a São João. Ou seja, aquele que Jesus tomou como alicerce de pedra para sua Igreja não desfruta do mesmo prestígio nos arraiais do País. Nestes, São João tornou-se maior, fez-se o epicentro de folguedos iniciados no último dia 13, timidamente, com Santo Antonio, o casamenteiro.
Santo Antônio Litogravura: M. Pitteri, S.XIX
O Pedro que me ocorre neste apagar das fogueiras vai além das crendices populares que ora o têm como fazedor de chuvas, ora como chaveiro do Céu, um santo com autoridade suficiente para abrir, ou fechar portas.
S. PedroRembrandt, 1632
Uma delas: São Pedro entreabriu a porta celestial a fim de identificar quem por ele chamava. Defronte a si estava um condenado ao Purgatório. Ao ser lembrado disso, o sujeito enfiou uma perna naquela brecha para evitar que o acesso ao sagrado recinto lhe fosse de pronto negado. O santo imprensou o penetra, ouviu seu grito e, apiedado, afrouxou o aperto. Então, uma banda daquela alma penada ingressou no Paraíso. Apertou novamente, ouviu outro “ai”, voltou a afrouxar e, ao cabo de apertos e gemidos, o Céu ganhou um novo morador. Piedade em demasia dá nisso.
O garoto que eu fui teve medo de chuva grossa e trovão só até o momento em que ouviu a explicação da avó Amélia: “São Pedro, além de porteiro, também é zelador do Céu. A chuva advém do despejo da água por ele usada na lavagem do piso”. Mas isso não explicava tudo: “E o trovão?”. Resposta: “É o barulho dos móveis que ele arrasta”. Que menino, depois de ouvir isso, voltaria a ter medo dessas coisas?
O que agora me interessa, repito, é Pedro, em sua humanidade. O mentiroso, porquanto temente dos castigos de Roma, a Casa Grande daqueles tempos.
O Arrependimento de PedroC. Bloch, S.XIX
O que me importa é o Pedro arrependido e valente, apesar dos seus medos. Aquele que empunhou a espada para decepar a orelha de Malco, o soldado que, aliás, a teve reemendada por Jesus, sem linha nem costura, ali mesmo, no Jardim do Getsemâni. Não é preciso dizer que o milagre, publicamente operado, não livraria da cruz o mais justo dos homens.
Vá ver, os soldados também padeciam dos receios de Pedro. Acho que o próprio Jesus bem sabia disso. Tanto que repreendeu o amigo: “Ponha a espada de volta à bainha. Acaso não beberei o cálice que o Pai me deu?”. Todas as Romas, as de ontem e a de hoje, aterrorizam santos e devotos, meus amigos. Roma é fogo.
O Chamado de PedroP. Cortona, 1630
Ah, como gosto daquele Pedro pescador tanto de peixes quanto de almas. Dizem que foi apresentado ao Mestre por João. Depois disso, dispôs o barco, à guisa de palanque, para a multidão que se formara à beira d'água dali ouvir o sermão de Cristo, do homem brilhante que falava de liberdade, fidelidade, resistência e vida eterna. E que lucro teve aquele Pedro! O dia de pesca ruim terminaria recompensado com peixes em volume grande ao ponto de rasgar as redes.
O Milagre dos PeixesRafael, 1516
Por mim, o 29 de junho teria a maior das fogueiras. E teria encantos faltosos aos arraiais feitos, nacionalmente, de muita comida, muita bebida e muita dança. Há os inacessíveis ao povaréu por terem o preço pela hora da morte. A propósito, dizem que certos cachês cometem, dentro e fora de junho, em recantos diversos, o milagre da limpeza de dinheiro sujo. Mas essa é uma história que não confirmo. A exemplo de Pedro, sou besta não.