Eu preferia não receber originais de poesia ou ficção. Quando o rapaz ou a moça nos entregam o texto, como que jogam em nós a responsabilidade pelos seus sonhos, seus destinos, e até pelo significado de suas dores. Pensam que deve haver um nexo entre sofrimento e aptidão artística; que a arte deve necessariamente compensar uma existência aborrecida ou mesmo infeliz.
Me lembro de uma ocasião em que eu estava no meu ambiente e ouvi batidas na porta. Era uma aluna. Trazia um pacote de papel-madeira que envolvia os originais de um livro de poemas. E queria minha opinião. Pediu que eu fosse rápido, pois o volume já tinha data de
MS
Sem dar tempo de eu dizer nada, foi saindo depois de fixar o prazo que tinha para ler: três dias. Após isso viria buscar os originais com a minha opinião – ou não seria o meu aval? Um tanto contrafeito, eu disse que “está bem” e vi-a partir, rápida como chegou, certamente premida por mil deliberações ligadas ao noivado, ao livro, a um futuro bipartido entre escritora e dona de casa. Vivia o instante saboroso das prévias, pois a felicidade não morre de véspera.
Vi que os poemas eram fracos, a moça não tinha vocação para a poesia. Nenhum rigor artesanal, nenhuma técnica. O que havia, em linguagem tosca, era dessas confissões que se diz ao padre. E a literatura possui ela mesma o seu ofício de penitência, que é a luta pela forma! Conteúdo e depuração. Em literatura tudo se consuma no ato (de contrição) da escrita. Os verdadeiros escritores sabem disso; escrevendo, pagam suas culpas pelo que dizem e, muito mais, por “como” devem dizer.
Celyn Kang
Me incomodava que, no que me dizia respeito, sua festa fosse se frustrar parcialmente. Mas qual o remédio? A moça era noiva mas não era poeta. Queria oficializar tudo num só dia, noivado e livro, mas não demonstrava qualquer jeito para este último. Ocorreu-me perguntar, cá em foro íntimo: e teria vocação para o noivado e o posterior casamento? Talvez ela se perguntasse isto e passasse ao largo da resposta, aspirando tão só ao rótulo, à convenção, ao que todas na vida fazem.
Ah, mas noivado se faz e refaz até não haver mais tempo. Literatura, não. Ela já é um conserto para os desconcertos da vida. O casamento pode ser pífio, equívoco, um triste engano – mas o poema tem que ficar perfeito.