Manhã de domingo, Praça Maciel Pinheiro, Boa Vista. Recife acordava calmo nas redondezas da pracinha. Neste lugar, quando criança, a escritora Clarice Lispector morava na casa da esquina. Era um tempo em que as ruas carregavam metáforas nos seus nomes.
Mesmo desgastada, a casa de Clarice é bela. Uma placa anuncia que será restaurada e transformada em museu. Certamente ficará à altura de seu nome.
Chegando da Ucrânia na companhia dos pais, conviveu com anjos e fantasmas que povoavam a Capital pernambucana nas primeiras décadas do século passado.
A base espiritual da autora de A Paixão segundo G.H. tem raízes no mundo urbano do Recife romântico, quando a poesia corria fagueira pelas esquinas das ruas do Cais. Naquele tempo, a brisa do mar se misturava com o sopro dos rios e emocionava a menina. Ela tudo observava e ficava calada.
O tempo passou, mas a antiga casa de estilo neoclássico, de portas e janelas escancaradas para deixar entrar a paisagem humana, se tornou companheira de Clarice por toda a sua vida.
Na manhã do domingo, parado em frente da residência da genial romancista, recordo alguns de seus personagens. Recorro ao livro A Hora da Estrela, com o olhar no que ficou estacionado em 1996, ano em que ofereci essa obra de história emblemática para Angélica.
Minha filha descobria os livros e, para estimular o gosto pela leitura, pedia que resumisse para mim o livro que estava lendo. Ganhei uma leitora e a jornalista que se tornou.
No decorrer dos anos, descobri que Angélica tinha lido mais livros do que eu imaginava. Ainda hoje, encontro páginas sublinhadas por ela nas obras literárias de diferentes gêneros. No livro que lhe presenteei, cuja leitura fez primeiro do que eu, destacou diversas frases, principalmente as que falam da arte de escrever, do sentimento que as palavras escritas transmitem. Clarice Lispector conquistou uma leitora.
Olhando as paredes esburacadas e pichadas da antiga residência da grande romancista ucraniano-brasileira, não poderia deixar de compor essa canção, usando enxertos de A Hora da Estrela. Nessa obra, ao falar do ato de escrever, Clarice abre seu coração.
As cidades onde morou serviram de ambientes para suas histórias. As viagens de bonde com os pais à praia em Olinda eram momentos de deslumbre. Adorava observar as paisagens e as pessoas. Entre as estripulias próprias da idade, gostava de colher flores nos jardins das casas para presentear a mãe. Com maestria, transportou essas lembranças para seus textos.
Clarice viveu para sonhar e escrever. Na infância está a base de toda a sua caminhada de escritora. Penetrou na alma humana para melhor conhecer a si mesma. Para elaborar os textos, buscou inspiração na vida das pessoas e na natureza. Ela colocou emoção em tudo o que escreveu. Deixou páginas de grande valor estético, como observamos nos contos, nos romances e na pintura. Seus livros são empolgantes, cativantes e conquistam leitores, mesmo os de tenra idade como Angélica.