Quase não alcanço o final da subida da Rua da República, rua traçada por B. Rohan e cenário da melhor crônica que nos legou Luiz Ferreira, um cultor eciano da escrita que dirigiu A União na fase de instalação no Distrito. Não lembro o título e só o narrador a recontaria, se é que não fosse um conto dos russos. Perdeu-se na efemeridade do jornal. Foi ele um lavrador bem-sucedido da literatura a retalho deixada por rigor perfeccionista fora do livro. O que não foi nem tem sido diferente com Martinho Moreira Franco, que tanto nos alertava para cada gol de placa de Ferreira, comportando-se, ele também, com a mesma desconfiança do seu talento e, no final de contas, da aceitação do seu grande número de leitores, sobretudo dos colegas de ofício.
Sim, eu fora repor o vidro de um quadro fotográfico de um dos nichos azulejados da Paixão, ideia emocionada de minha mãe quando se viu diante do adro franciscano. A ideia despontou quando eu não possuía máquina, embora já ajudasse na revelação do Foto Clube de Damásio Franca. Logrei fotografar quando já não me restava a fortuna de enquadrar minha mãe no mundo da sua fé e devoção.
Cheguei sem fôlego à calçada do antigo cine Filipeia, esquina com a General Osório. Não é ladeira para enfisematosos da minha idade. Estaquei, mal me segurando nas pernas, abrindo vaga entre três ou quatro mulheres que fazem ponto naquele cruzamento de freio obrigatório. Ofereceram-me tamborete e, mal começo a refazer-me, ouço o vozeirão do velho Luis Trocolli, morto há décadas, a gritar da cabeça da ladeira para o resto dos Trocollis e da gente largada da Itália para vir ornar a arquitetura e os ofícios de mestre desta cidade. Falava da porta da loja, o corpanzil no tamanho exato da porta, o vozeirão penetrando rua abaixo tal como Ferreira, morador da rua, o descreveu.
Ali recostado, o cansaço termina me ajudando. Começo a me sentir contemporâneo e solidário da praça deserta ao lado com seu belo e autêntico exemplar de coreto que a caliça bem dosada do presidente Camilo de Holanda consegue manter de pé. O palácio, à esquerda, está sendo restaurado para guardar os passos, o orgulho ou a história dos que o ocuparam - desde quando, Evandro Nóbrega, a quem devemos a melhor síntese ilustrada do relicário patrimonial dos poderes e da Igreja em pequena plaquete endereçada ao turismo. E vejo-me debruçado no mirante que um vasto terraço do palácio dava para a cidade baixa em seu encontro com o rio crepuscular.
Sou de um tempo em que o governador e família moravam no palácio. O olhar sai me levando tempo adentro, aprofundando-me nas sombras, e quanta história! Eis-me rapaz iniciante a subir a escadaria atapetada de vermelho sob florões de cristais de um grande candelabro. O governador acordou cedo e pediu um repórter para simples anotações. E lá me mandam para ser conduzido à mesa do café de sua excelência com a família. Era para anotar os termos de uma pauta de atividades do seu dia. “ Já tomou café? “ E mandou servir-me um cafezinho com direito a assento na mesa. Absurdamente, o tempo pode anular o poder dos palácios, relegar o papel dos coretos que por milagre ainda se sustentam, mas nunca apagar de vez certas ocasiões que as sombras escondem e que ressurgem convergidas em momentos de hoje.