Na língua existem séries ou relações abertas e séries ou relações fechadas. Uma série é aberta quando se podem nela incluir novos ite...

Neologismos

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Na língua existem séries ou relações abertas e séries ou relações fechadas. Uma série é aberta quando se podem nela incluir novos itens; e é fechada, quando não há mais a possibilidade de aumentá-la. A flexão é uma série fechada. Não há a menor possibilidade de se inventar um feminino novo, uma desinência verbal nova ou um plural novo. Mas a derivação é uma série aberta: podemos inventar palavras novas (isto é, neologismos), com os recursos de que dispomos na língua.

Os verbos em –ir e em –er são séries fechadas. Os verbos em –ar constituem uma série aberta. Podemos inventar um verbo novo, mas ele terá de ser da primeira conjugação e seguir o paradigma de verbos como “estudar”,
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por exemplo, a menos que se forme, por prefixação, de verbo já existente de qualquer conjugação. Por isso não é admissível a forma “pertine”, em curso nos textos em juridiquês (jargão de juristas). O infinitivo desse verbo inexistente teria de ser “pertinar”; mas seus “inventores” talvez tenham pensado em “pertiner”, por causa de “pertinente”, por analogia com reger/regente, escrever/escrevente. Os verbos em –ir formam adjetivos em –inte, como seguir/seguinte, constituir/constituinte. Verbos em –ir com adjetivo em –ente são mais raros: fluir/fluente, servir/servente. Um infinitivo “pertinir” também seria inaceitável, já que os verbos em –er- e –ir pertencem a séries fechadas. A forma conjugada no presente do indicativo teria de ser “pertina”. O erro do juridiquês é duplo, portanto: além de o verbo ser malformado, a conjugação também está incorreta. Em lugar de “pertine”, que não existe, diga-se: “é pertinente".

A partir de –latria, que designa “culto” ou “adoração”, podemos formar, por exemplo, pedolatria, para denotar o adorador de crianças, ou podolatria, para indicar o fetichista que tem paixão por pés. Daí podemos formar outros substantivos, como pedólatra (que não tem a conotação pejorativa de pedófilo,
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mas não consta dos dicionários) ou podólatra (adorador de pés). Temos uma série de nomes assim, para designar pessoas que adoram ou cultuam alguma coisa, como angelólatra (anjos), artólatra (pão), andrólatra (homem), xilólatra (ídolos de madeira), pirólatra (fogo), hidrólatra (água), iconólatra (ícones), demólatra (povo), astrólatra (astros), hagiólatra (santos), zoólatra (adorador de animais; zoólatra não tem a conotação pejorativa de zoófilo), etc. Um neologismo recente, chocólatra, pretende designar aquele que adora chocolate. Mas o nome chocólatra designaria o adorador de choco, um molusco cefalópode também chamado siba, do qual se faz uma tinta escura chamada sépia, muito usada em pintura. Na verdade, o adorador de chocolate deveria ser um chocolatólatra.

Recentemente, estão em uso vários neologismos formados a partir de um adjetivo a que se acrescenta o sufixo –izar, à semelhança de realizar (real), atualizar (atual), idealizar (ideal). Alguns desses neologismos são bem-formados, como “inicializar”, oriundo do adjetivo “inicial”. Outros são malformados, como “internalizar”, porque não existe o adjetivo “internal”. O correto é “interiorizar”. Não há razão para impedir ou condenar o livre curso dos neologismos bem-formados.
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O texto intitulado “Falabilizando”, de um articulista de “O Globo”, publicado em 05-04-05, contra esses neologismos em –izar, peca pela intransigência, pela ironia e pela utilização de formas inaceitáveis, como “quisibilizar” ou “impedibilizar”. O abuso não impede o uso. Não é por haver atualmente tantos neologismos em –izar que se vai lutar contra essa deriva da língua... Afinal, também condenaram o imexível do ex-ministro Magri, no governo Collor, que fez escola e cedo estará nos dicionários também, como alguns poucos neologismos de Castro Lopes.

Aliás, não são poucos os neologismos propostos por Castro Lopes no livro Neologismos indispensáveis e Barbarismos dispensáveis (3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909, passim), para substituir galicismos. Alguns permaneceram, como protofonia (ouverture), convescote (piquenique), ramalhete (buquê), cardápio (menu); outros, nem tanto: castelete ou castelejo (chalé), croquezinho (diminutivo de croque; a palavra francesa crochet é diminutivo de croc),
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focale (cache-nez), minudência (detalhe),  sobrecarta (envelope), preconício (reclame), ancenúbio (nuance), coribel (carnê), entrosagem (engrenagem), fádico (feérico), hauricanulação (drenagem), postrídio (lendemain), premagem (massagem), telizar (engomar), comitissa (condessa), marquionissa (marquesa), legicídio social (golpe de estado), adunguificar (dar a última demão), festimana ou antemerídio (matinê), demostasia ou  operinsurreição (greve), sinesíforo (chofer), sigilogia (filatelia), etc. etc.

No futebol, o campeão dos neologismos que permaneceram no nosso dia a dia é o ex-locutor esportivo Oduvaldo Cozzi. Eis alguns deles: zagueiro (back), escanteio (corner), falta (foul), pena máxima ou falta máxima (penalty), impedimento (off side). Alguns neologismos não pegaram, como tento (goal), arqueiro (goal keeper), sorteio de campo (toss, sorteio no inicio de partida).
linguagem neutra
José Augusto Carvalho, mestre em Linguística pela Unicamp, e doutor em letras pela USP, é autor de vários livros sobre língua portuguesa, entre os quais: Gramática Superior da Língua Portuguesa (2011), Pequeno Manual de Pontuação em Português (2013) e Estudos sobre o Pronome (2016), todos da Editora Thesaurus, de Brasília.

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