Terminei de ler neste domingo que passou essa obra monumental de Erich M. Remarque, o “Nada de Novo no Fro...

Nada de novo no front

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Terminei de ler neste domingo que passou essa obra monumental de Erich M. Remarque, o “Nada de Novo no Front”, em que o autor desmistifica o heroísmo, o patriotismo e outros “ismos” que povoavam a literatura quando, lá atrás nos tempos, guerra era o tema. Nada mais heroico e patriótico do que pegar em armas para defender o solo pátrio. Pelo menos, era o que apregoava a literatura até mais de dez anos depois de finda a 1ª Grande Guerra, quando em 1929, Remarque conseguiu publicar sua obra.

Eu sempre me abasteci dessas leituras: Guerra e paz, de Tolstói, Por quem os sinos dobram, de Hemingway, Morreram pela pátria, de Sholokhov e outros que não me lembro no momento. Sempre via um quê de heroísmo nos protagonistas dessa literatura que sempre me encantou. Ainda me encanta, mas com ressalvas.

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Eu havia me prometido que finda essa leitura domingueira eu iria pregar os olhos numa refilmagem que está lá no Netflix. Estava determinado em assistir ao “Nada de novo no front”, lançado em 2022, sob a direção do suíço, naturalizado alemão, Edward Berger, mas a leitura foi tão impactante que desisti de ver a fita. Fez-me chegar ao lado
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sombrio, ao circo de horror que é uma guerra. O que fiz, então? Fiquei nas minhas cervejas, jogando meu xadrez (trapaceando algumas vezes) no computador, tirando uma soneca, depois outra, mais uma logo à frente. Enfim, dediquei-me a esse exercício que tenho direito neste meu outono cinzento da vida, o ócio, ou se preferirem, a preguiça. Ando descobrindo, depois de velho, alguns prazeres que não sabia existirem, o deleite de nada fazer e não ter viva alma cobrando minhas responsabilidades. Já fiz minha parte nesse mundão de Deus. Desleixamentos à parte, dei-me ao luxo de me envolver com algumas reflexões provocadas pela leitura que acabara de fazer.

Se meu chão é invadido ou agredido, devo sim, defendê-lo, mesmo obrigado a penhorar a própria vida. É o que se tem que fazer. Mas é fácil fazer tais conjecturas longe de um perigo iminente. Talvez, nem justo seja. Fosse eu um mujique ucraniano, teria eu me alistado dias atrás para tentar impedir o avanço daqueles dragões de ferro do exército russo? Muito fácil cantar heroísmos diante da tela de um computador. Então, aquele anjinho protetor que me segue desde os tempos de empinar pipa e jogar bola de gude pediu-me prudência com o que iria carimbar nestas linhas.

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Netflix
O tema aqui é a imbecilidade das guerras. Quem as declara, não vai ao front, arrisca vidas, nunca a sua. Fico aqui pensando no coração de uma mãe ao se despedir do filho convocado às fileiras de combate. Como deve ser dolorido aquele último beijo, aquele derradeiro abraço. Será que haverá outros? Ou que é pior, mais lá para frente, ao atender um chamado à sua porta, se depara diante um homem fardado com um envelope à mão. Ela sabe a notícia que ele traz. Há como mensurar a dor desse momento?

Querem ver outra? Soldados alemães prisioneiros dos soviéticos quando encerrou a 2ª Grande Guerra ficaram mais de dez anos prisioneiros, As famílias sem notícias deles e eles delas.
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Libertados, os que sobreviveram voltaram a Alemanha, suas casas não eram mais suas, os filhos não os reconheciam e muitas das esposas já estavam em outro casamento. A guerra é assim, capaz matar um homem de muitas maneiras, não precisa tirar a vida biológica, mas pode apagar o passado e impossibilitar o futuro. E jogar bombas de Napalm em crianças vietnamitas? Além da crueldade inimaginável desses conflitos bélicos, há infinitos modos de se morrer em batalha, mas convenhamos, nenhum é glorioso. São coisas que a guerra faz.

Ah, não gosto de polemizar nesta coluna. Prefiro falar das boas saudades, algumas (algumas?) vezes escrevo umas mentiras. Se possível imprimo, ou tento imprimir, um toque de humor. Mas a leitura desse domingo que prometia chuva (o domingo e não a leitura), mas não cumpriu a promessa, fez-me debruçar sobre essas reflexões.

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E eu aqui, todo pimpão da vida. Tiros? Só os dos foguetes e das bombinhas do São João. Os filhos longe, criados, não precisei mandar nenhum para alguma guerra imbecil. Mas é triste saber que em algum lugar desse nosso planeta, neste exato momento, alguém está dando a vida por uma causa que não é sua. Parece-me mesmo que para existir o bem, tem que haver também o mal. Vai ser sempre assim. Eu na minha insignificância, quando penso em uma guerra, sempre pergunto: Quem deu o primeiro tiro? Já que não posso impedir o conflito, pelo menos posso apontar o culpado. Na maioria das vezes é ele mesmo, o sacripanta que puxou o gatilho pela primeira vez.

Temos a ilusão que uma guerra qualquer que terminou será a última. Não vai ser. Sempre haverá mais uma, depois outra e outra. É assim meus amigos, minhas amigas. Tudo continua como sempre foi, como sempre será. Infelizmente, não há nada de novo no front.

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  1. Impecável é o seu presente texto, Paiva, com ótimas e oportunas reflexões sobre esse horror que é a guerra, todas elas. Francisco Gil Messias.

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