Passamos a semana atordoadas com uma votação que durou vinte e poucos segundos, na maciota e na tocaia, retrocedendo direitos adquiridos sobre o direito ao aborto nos casos de: estupro à mãe. Até esse projeto, o aborto é permitido em caso de estupro, cérebro anencéfalo e quando a gravidez oferece risco de vida à mãe. O PL 1904/2024, cujo autor é o deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), acrescenta alguns parágrafos a quatro artigos do Código Penal Brasileiro, que foi instituído em 1940. Segundo a nova proposta em discussão na Câmara dos Deputados, "quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples".
Esse Projeto de Lei número 1904/24 equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao crime de homicídio. Convenhamos dizer que no Brasil, oito meninas/mulheres são estupradas a cada minuto, na maioria com meninas/crianças dentro de casa. Estamos diante de um horror de retrocesso onde já sabemos que, as meninas pobres serão as mais penalizadas.
Muitas matérias a dimensionar essa questão como uma armadilha criada para o presidente Lula, pois sabemos que, o Brasil é um país católico, conservador e na sua grande maioria contra o aborto. Os interessados confundem a opinião pública trazendo a pauta com a “simplicidade” da má fé do: a favor ou contra à prática do aborto, quando sabemos, principalmente os senhores deputados que, o que está em pauta não é isso, mas um direito adquirido nos três casos mencionados acima.
Há quatro anos, assistimos estarrecidas uma menina de 10 anos, estuprada e ameaçada pelo tio (o triste é que, na grande maioria dos crimes são cometidos por homens da família, dentro de casa) correndo o país para fazer um aborto de direito. Os falsos moralistas nas ruas a pedirem o impedimento, mas ainda bem que, a criança teve acolhimento em Pernambuco para fazer valer o seu direito. O tio continua preso.
O Brasil inteiro se manifestou contrário a esse “passar a boiada” do deputado Sóstene Cavalcante, com passeatas, protestos em defesa dos direitos adquiridos.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022. Dessas, 88,7% das vítimas eram do sexo feminino e cerca 60% tinham no máximo 13 anos de idade.
Já o DataSUS contabiliza que, em 2019, cerca de 70 gestações foram interrompidas legalmente em crianças e adolescentes brasileiras com menos de 14 anos.
A campanha “Menina Não é Mãe” alerta que, se aprovado, o projeto "obrigará as meninas vítimas de violência a seguirem com a gestação" e isso significará um retrocesso "nos direitos sexuais e reprodutivos garantidos por lei desde 1940". (fonte BBC News Brasil).
Não sabemos até quando ainda teremos o tema do Aborto permeado pela religião e política, onde desde sempre homens decidem questões dos corpos/e vida das mulheres. As mulheres com poder aquisitivo maior, continuam a fazer aborto em clínicas, assistência, e a interromper a gravidez. Falam que, o depois se arranja. Para quem? Quem tem filhos sabe que ter filhos é uma experiência para toda uma vida. Evitar filhos? Uma questão de tal subjetividade que, até hoje nenhuma campanha dá conta. O desejo, os hormônios, a ignorância, a repressão familiar e social, a paixão, são somente alguns dos fatores que avassalam a vida das meninas, sempre camuflando os perigos de uma gravidez na adolescência, mas não só. A mulher adulta também vive esses dilemas durante toda a sua vida sexual, sempre assombradas por uma gravidez indesejada.
No caso das meninas estupradas na infância, o descobrir a gravidez, na maioria das vezes é demorado. A vergonha, o desconhecimento do próprio corpo, o atraso da menstruação, e o medo infinito do poder de um homem adulto e as suas malícias e violências, fazem com que esse processo nem sempre aconteça em tempo hábil para cumprir essa lei das 22 semanas.
Junto-me às mulheres desse país, principalmente às meninas, contrárias a esse projeto de horror.
Viva a vida das mulheres!