Em 2006, juntamente com a jornalista Yolanda Limeira, organizamos o livro Memórias rendilhadas: vozes femininas (João Pessoa: Editora Universitária/UFPB). O título foi inspirado em um bonito texto da poeta alagoana Arriete Vilela, Alma enrodilhada, alma rendilhada. Quinze paraibanas escreveram textos em forma de crônicas que falavam de suas primeiras experiências com a leitura. O livro foi muito bem recebido pela crítica e com quatro meses estava esgotado, infelizmente não foi mais reeditado. Em 2008, foi selecionado pela SEC/PB para constar no acervo das bibliotecas públicas da Paraíba. Teve lançamento em João Pessoa e Campina Grande. Depois de quase vinte anos, retorno ao texto que escrevi para essa coletânea, refaço algumas passagens e acrescento outras informações.
O primeiro livro que li foi A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, tinha oito anos e recebi-o de presente de aniversário de uma vizinha. A leitura era feita na parte da tarde, de manhã ia para o colégio e esse tipo de leitura era considerado um lazer, passei vários dias lendo aquele livrão, ainda hoje tenho esse exemplar valioso.
Anos depois, lendo o conto de Clarice Lispector – Felicidade clandestina, sinto-me igual à menina Clarice quando teve a oportunidade de ler As Reinações de Narizinho. Ao realizar o sonho de ter o livro em mãos, considerava-se dona daquele “objeto sagrado”. Quando lia A Chave do Tamanho, tinha a mesma sensação, estava diante de um livro que representava a hora do devaneio, a hora da leitura descompromissada das tarefas escolares.
A literatura sempre fez parte da minha vida. Eu tinha dois irmãos mais velhos que gostavam também de ler, um deles colecionava as estampas do sabonete Eucalol. As gerações mais novas desconhecem essas estampas, elas vinham juntas ao sabonete Eucalol e traziam ilustrações de personagens de romances, fotos de monumentos históricos, informações históricas e geográficas. Em uma dessas estampas, aparecia uma ilustração de Iracema, protagonista do romance de José de Alencar. Encantada com a história de Iracema, falei para um dos meus irmãos que já cursava faculdade (era dez anos mais velho do que eu) sobre este livro e do meu desejo de fazer a leitura do romance alencarino, ele me deu de presente. Foi outro “alumbramento”. Lia e relia aquelas passagens românticas, escrevia para as primas e repetia frases e mais frases do livro. Estava com onze anos.
Agnelo Amorim, cronista e contista campinense de grande talento, apresentador do livro Memórias rendilhadas: vozes femininas, no lançamento em Campina Grande, falou sobre a importância dessas estampas na sua formação literária e cultural, afirma que conheceu o portão de Brandemburgo, em Berlim, através das estampas do sabonete Eucalol. Quando o professor de História falou sobre este portão na sala de aula, ele já tinha informações sobre o monumento. É um marco histórico da capital da Alemanha e muitos concertos musicais se realizam hoje nas cercanias do portão.
Nas minhas memórias de leitura da adolescência, estão presentes os livros de Machado de Assis, li-os inicialmente na biblioteca pública de Campina Grande que funcionava nas proximidades do Colégio das Damas, algum tempo depois a noiva de um dos meus irmãos que tinha toda coleção de Machado de Assis me emprestou livros do “bruxo velho” e li quase toda coleção, com exceção dos livros de teatro. Sempre tive muita vontade de ter a obra completa de Machado de Assis. Meu marido um dia me deu de presente e pude reler os textos machadianos preferidos: os contos, os romances e até o livro de poesia – Falenas.
A minha futura cunhada gostava também de ler e na sua estante repousavam vários livros de Dostoiévski. Já cursando o ensino médio, tomei contato com os romances do escritor russo através da cunhada e li Os irmãos Karamazov, Crime e Castigo e Humilhados e Ofendidos. Gostei tanto deste último que, durante anos, procurei-o nas livrarias, luta inútil, parece que estava esgotado. Quando lecionava no curso de Letras, contei este fato aos meus alunos e Magdala, uma aluna muito aplicada, viajou ao Rio de Janeiro e comprou no Sebo São José o livro tão desejado. Considerei um presente valioso, mas ao fazer a releitura não tive mais o encanto da leitura feita na adolescência. Tudo é fruto do tempo, como diz o poeta.
Fui uma leitora de livros presenteados e emprestados, não tinha esses livros na minha estante, meu pai comprova todos os livros didáticos adotados pelo colégio, mas a literatura ficava por minha conta, ia atrás de quem podia me emprestar.
Na Universidade, as leituras foram se diversificando – textos teóricos de Luckás, Goldmann, Eduardo Portela, Vitor Manuel de Aguiar e Silva e os romances de José Lins do Rego, de Graciliano Ramos, Eça de Queirós, a poesia dos simbolistas e modernistas brasileiros: Cruz e Sousa, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e os portugueses Camões e Fernando Pessoa.
Tenho aprendido muito com a literatura e lembro o que disse, certa vez, o psicólogo Rollo May, citado por Dante Moreira Leite - que tinha aprendido muito mais a respeito do homem e da sua experiência nos cursos de literatura do que nos de psicologia e dá este conselho aos que pretendem ser psicanalistas – se formem em literatura e nas humanidades, e não em biologia, psicologia ou cursos pré-médicos. O professor Wendel Santos, que também era psicanalista, gostava de repetir essa observação de Rollo May.
O que desejo aos leitores?
Que trilhem caminhos e veredas,
naveguem nas memórias das leituras,
entrem na casa das palavras
que é toda feita de sonhos e de poesia.