Nem se pense em preconceito: mas o personagem é pesadão em quilos. Não consegue passar por uma lanchonete sem que a invada. Muitas vezes (e a escutei comentando com amiga íntima) fica esperando que a fritura chie e lhe venha ao prato com o pastel enorme (tipo família) e de um gelado refrigerante.
A interlocutora, antônima da gordinha (o diminutivo ameniza) era um espeto, magérrima, enfiada na roupa folgada. Para a adiposa desconhecida seu prazer era comer todo o cardápio desaconselhado pelos nutricionistas. Quem come, morre, quem não come, morre mais depressa – pensava convicta; sabia que não era tão fácil estacionar o corpanzil em qualquer lugar.
Mesmo passar na catraca dos coletivos. Ela era feia? Nada: um tipo de morena, somente ampliada nas maçãs do rosto, a cara meio esparramada, porém sem trair a beleza comum. A outra, magra, afilada e fina, com a ossada protuberante no rosto, quando sorria deixava que os dentes rompessem os lábios finos.
Lembrei Manuel Bandeira, o poeta pernambucano, que anotou num de seus versos a comparação hilária: como se a dentuça dele fosse um teclado de piano. Não as conhecia, no momento em que discutiam, amistosamente, a contradição gorda-magra, e, juro, quis sair de perto delas. Mas esta crônica estaria comprometida. Falaram de modas e de modos. Modelos, biquínis, etc. – assuntos tão ao gosto do sexo feminino, cuja característica é zelar pela aparência.
A gordinha se disse sem qualquer problema para vestir-se. Nunca se escondeu por conta da opulência da gordura; aliás, quando ia à praia, muitos olhares masculinos se deixavam navegar nas volumosas pernas carnudas dela. Já a magricela, sorriu encabulada: quando visitava a orla, tinha pavor em se meter mesmo num maiô, muito menos num biquíni.
Explicou: desde um dia em que alguns estudantes de Medicina a apelidaram, em assovios, de “caveira viva em carne e osso” (daria, certamente, para uma aula de Anatomia). Quando o coletivo que esperavam encostou, a gorda entrou pela porta reservada aos prioritários, livrando-se do vexame da catraca infame. Sentou-se, a ocupar dois bancos. Abriu a bolsa e começou a derreter um chocolate na boca bem talhada. A magra foi em pé, sufocada entre os ocupantes do coletivo, aos solavancos. Em jejum.