— É servido?
O outro não hesita:
— Sim.
— Como?
— Sou servido, sim. Estou com fome e sem dinheiro.
Fica meio desapontado:
— Perguntei por perguntar, ora. Este almoço é meu.
— Mas você acabou de me oferecer...
— Fiz isso por educação. É assim que a gente age quando está comendo ou bebendo alguma coisa e aparece outra pessoa.
— Mas você não está comendo. Ainda ia começar.
— Ia?
— Ia, sim. Como me ofereceu e eu aceitei, não vai mais. Se não queria pelo menos dividir a comida comigo, por que perguntou se eu era servido?
— Porque isso é praxe.
— Praxe? Você despertou em mim uma falsa expectativa, zombou do meu instinto de sobrevivência e conservação. Não calcula o quanto minhas papilas gustativas se alegraram no breve momento em que fez a pergunta. Meu estômago deixou momentaneamente de roncar. Meus intestinos, que não trabalham há mais de 24 horas, começaram a fazer aquecimento.
O outro, já perdendo a paciência, arrisca um último apelo:
— Vá embora e me deixe comer. Apenas tentei ser educado, já disse. E você foi grosso ao levar meu oferecimento a sério. Quebrou uma regra social. Eu devia, quando você entrou, ter ficado indiferente e começado a almoçar. Por sinal, a comida está esfriando...
— Tudo bem, vou embora. Mas saiba que nunca fui tão destratado. Você foi hipócrita e agora se mostra insensível. Não se convida alguém para a mesa e depois o escorraça.
— Escorraça?! Já disse que não lhe convidei.
Ficam um tempo em silêncio, até que o que ia almoçar se dá por vencido.
— Está bem. Tome, é seu.
— Sério?
— Sério.
O amigo se senta e pega avidamente o garfo, enquanto o outro se levanta para ir embora.
— Já vai?
— Vou. Para mim, basta.
— Espere.
— O que você ainda quer?
— Obrigado! — diz, com aparente comoção.
E antes de engolir a primeira garfada, pergunta com um ar entre culpado e temeroso:
— Servido?