Nem queiram conhecer minha vizinha, Dona Zefinha. Pensem em uma criatura sem sensibilidade. Pois é assim essa figura de coração duro co...

Dona Zefinha e o jambeiro

conto cronica causo
Nem queiram conhecer minha vizinha, Dona Zefinha. Pensem em uma criatura sem sensibilidade. Pois é assim essa figura de coração duro como um pedregulho. É esposa de Seu Arnaldo, este sim; gente fina e pai de Arnaldinho, mais gente fina ainda. Não dá para acreditar que Maria José, Arnaldo e Arnaldinho durmam sobre o mesmo teto, tão diferentes são os dois Arnaldos do terceiro vértice desse triângulo nada amoroso.

Já desconfiaram de quem seja essa Maria José. Acertaram. É ela mesma, a Dona Zefinha. Vou jogar umas tintas neste texto para descrevê-la. Mirradinha, chega com muito custo a uns 10 centímetros para além de um metro e meio. Cabelos grisalhos e ralos, presos a um coque que parece que Dona Zefinha já nasceu com ele. Dentes amarelos pelo uso do cigarro de palha, com cada dente parecendo que quer pular à frente do outro. Para não esquecer, essa danada fuma bem uma dúzia daquelas palhas por dia e fumo daqueles que matou o guarda. Forte que só o diabo. Para completar minha generosa descrição, devo acrescentar que entre a bochecha do lado esquerdo e aquele nariz tipo bico de coruja, mora uma verruga que a acompanha desde que se deu por gente. Não bastasse essas virtudes às avessas, a pobre é gasguita com aquela voz aguda, estridente que não há tímpano que aguente.

Já Seu Arnaldo é um homão espadaúdo, traço genético que deixou como herança ao rebento, pois o diminutivo em Arnaldinho é só para diferenciar um Arnaldo do outro, De “inho” o filho não tem coisa alguma. Adolescente, mas já grandão como o pai. Tanto um como outro, são criaturas muito chegadas em coisas da natureza. Gostam de cuidar dos jardins, dos vasos esparramados pelas varandas e quintal. Numa pitangueira ao fundo da residência e
num cantinho da varanda deixam sempre abastecidos de água aqueles depósitos cilíndricos, um tipo de bebedouro com pequeninas flores de plástico na base para atrair os colibris. Outras avezinhas, como o bigodinho, o sibite, o coleiro e até canário da terra aparecem por lá para matar a sede. Isso sem contar a bandeja com alpiste ou xerém que os bichinhos das linhas de cima disputam com as rolinhas.

Se deixassem por conta de Dona Zefinha, as plantas secavam e nossas avezinhas que fossem comer e beber em outras paradas. Só servem pra dar trabalho, reclama sempre ela. Não tem bons olhos para os poucos exemplares de nossa flora esparramados por alguns vasos e canteiros e nem para a fauna com aquelas avezinhas serelepes que aparecem pelo quintal.

E vejam mais, Arnaldinho sempre quis ter seu cão. Aqui em casa nem pensar. Soltam pelo e fazem sujeira em qualquer lugar, esbraveja a ranzinza. Assim, nosso rapazinho nunca dividiu espaços e carinho com algum totó para usufruir da estima desse companheiro de quatro patas. Gato também ela não quer.

Perceberam que quem mandava no pedaço é Dona Zefinha. Seu Arnaldo não dá palpites em nadinha. Da lista de compra no supermercado ao jeito de dispor os móveis pela residência.

Até aí cada família que viva como achar melhor. Até acho pouco delicado eu estar fazendo esses comentários em nosso prestigioso rotativo. Mas é que Dona Zefinha me trouxe aborrecimentos no último feriado de 1º de maio, quando recebi visita de amigo e esposa que tinham acabado de chegar lá das latitudes de baixo. Ofereci hospedagem e fui buscá-los no aeroporto.

⏤ Como está João Pessoa? ⏤ quiseram saber.

⏤ A cidade e ou o defunto? ⏤ chiste à parte, continuei ⏤ A cidade está linda, ainda mais por esses dias quando se dá a florada dos jambeiros.

Pelo caminho, eles que não conheciam a cidade, sempre que passávamos por um jambeiro ficavam encantados com aqueles tapetes vermelho-púrpura esparramados pelas ruas e calçadas.

⏤ Que coisa mais linda! ⏤ exclamou minha hóspede.

⏤ O que eu tenho plantado na calçada de minha casa se superou. Nunca vi uma florada como a deste ano.

Acontece que meu jambeiro está a metro e meio da calçada daquela jararaca e quando cheguei em casa a surucucu tinha varrido a calça dela e a minha. Sobrou um pouco no meu quintal, mas nada do esplendor que eu esperava encontrar.

Quando cheguei a lambisgóia ainda estava por ali com a arma do crime na mão, vulgo vassoura. Ao me ver chegando veio toda prosa.

⏤ Fui tirar a sujeira de minha calçada, aproveitei e tirei a da sua também.

Para ela, sujeira eram os estames encarnados da florada. Olhei bem para aquela criatura que estava segurando firme a vassoura, não contive meu ódio e perguntei:

⏤ Dona Zefinha, a senhora vai viajar?

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  1. O cronista sempre a descobrir o ângulo pitoresco dos fatos. Parabéns, Paiva. Francisco Gil Messias.

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