Moro escoteiro há muitos anos e tenho sentimentos bem peculiares. Sempre pensei que era único nessa forma de viver o dia a dia. Qual o que!
Da mesa na padaria Bonfim de onde observo a vida, vez por outra engreno conversa com outros solitários que também sofrem demais à falta de mais pessoas em suas casas ou apartamentos para compartilharem o dia a dia.
Da mesa na padaria Bonfim de onde observo a vida, vez por outra engreno conversa com outros solitários que também sofrem demais à falta de mais pessoas em suas casas ou apartamentos para compartilharem o dia a dia.
Das reclamações mais frequentes que ouço está a lembrança da chegada em casa depois de um dia estafante. Nem tempo para tomar banho eles tinham, porque as tarefas domésticas exigiam demais. Uma em particular me impressionou. Na última vez que esteve casado o amigo foi “convencido” a subir no telhado para ajeitar a antena da TV. “— Mas fulana, está chovendo”. E ela com as mãos nas cadeiras, tipo açucareiro: “— Por isso mesmo, é nessas horas que a imagem fica ruim”. Lá de cima, com medo de escorregar nas telhas, começou a ouvir as instruções que ela gentilmente gritava: “— Mais pra lá... pera, pera... mais pra cá. Segura forte... ô idiota, mais pra lá....”. “— São coisas assim que me dão saudade dos tempos em que morava com a família”, confessou.
Nem bem ele disse isso e da mesa vizinha uma das quatro belas ocupantes, das quais duas também já terminaram seus casamentos, emendou: “— Saudade? Saudade eu tenho do tempo em que sempre encontrava toalhas molhadas em cima da cama. Mas o que mais me faz falta é lembrar de quando eu chegava no banheiro e encontrava o vaso todo respingado, sobrando, às vezes, aquelas manchas amarelas no chão.”
A amiga dela sorriu e lembrou com carinho da época em que, casada, foi visitar sua sogra no hospital. Ao chegar em casa o marido lhe perguntou como estava a mãe dele e ela disse que estava muito bem, vendendo saúde, que teria alta no dia seguinte e ao sair do hospital iria morar com eles. O marido a interrompeu; “— Como assim, ontem eu fui lá e a equipe médica disse que ela estava de nada para acabou-se...”. Ela cortou a conversa: “— É que o médico me disse que deveríamos nos preparar para o pior”. Aí acabou-se o casamento. Até hoje a moça sofre com saudade da sogra.
Mas a saudade que mais une homens e mulheres que moram sós é a televisão. Lembram com carinho da época em que queriam compartilhar com seus cônjuges os programas que mais gostavam; eles obrigando-as a assistirem jogos de futebol e elas não abrindo mão de terem seus maridos assistindo a novelas. Como havia coincidência de horários nos programas era aquela terna disputa para ver quem agradava mais ao outro.
Como deve ser bom morar arrodeado de carinho.