É admissível e até necessário que a linguagem específica da tecnologia, da ciência ou de uma profissão, como a dos computadores, por exemplo, mantenha o uso de empréstimos (como deletar), ou de estrangeirismos (como download, shift, etc.), até porque sua universalidade os torna cômodos. Mas a existência de equivalentes semânticos no nosso léxico deveria inibir o uso ou o abuso desses recursos linguísticos ou metalinguísticos estranhos ao nosso idioma,
sobretudo quando não se trata de linguagem técnica, nem específica de uma área do conhecimento humano.
O sufixo –ância ou –ança exprime ação, vigilância, e não raro forma substantivos a partir de verbos, como governança (governar), criança (criar), esquivança, usança, matança, poupança, gastança, esperança, confiança; distância (distar), constância (constar), militância, ignorância, observância, instância, predominância, etc. Também exprime porção, coletividade, como em: vizinhança, molhança (de molho); e aumento, como em: carrança, festança, etc.
Privança é um substantivo de uso clássico, formado a partir do verbo privar. Por uma questão de colonialismo cultural, acabou sendo substituído por privacidade, neologismo recentemente incorporado à língua a partir do inglês privacy. Ora, os substantivos formados com o sufixo –(i)dade se originam basicamente de adjetivos, como realidade (real), elasticidade (elástico), felicidade (feliz), humanidade (humano), etc. Raramente um substantivo é a base da formação de outro substantivo em –dade, como irmão (irmandade). Privacidade, para legitimar-se, deveria ter sido formado a partir de um adjetivo terminado em –z ou em –ico, à semelhança de vivaz (vivacidade) ou elétrico (eletricidade). Como esse adjetivo (privaz ou prívaco) não existe, a má-formação do nome privacidade denuncia a bastardia do empréstimo. O ideal seria retomar a forma vernácula privança ou adotar o nome também já existente na língua, dicionarizado e mais adequado, formado a partir de privativo: privatividade.
Outro neologismo desnecessário é o verbo internalizar, de uso generalizado na linguística, sobretudo depois do advento da gramática transformacional. Ora, –izar forma verbos a partir de substantivos, como horrorizar (horror), atemorizar (temor), aromatizar, martirizar; ou de adjetivos, como realizar (real), suavizar (suave), vulgarizar, finalizar, formalizar, etc. Como não existe o adjetivo “internal” em português, o verbo, em lugar de internalizar, deveria ser interiorizar (de interior).
Também algo que se generalizou modernamente é a grafia híbrida: Nova York. Hibridismo é o nome que se dá a uma palavra composta de formas de línguas diferentes. Assim, goleiro, por exemplo, é formado: do inglês goal mais o sufixo português –eiro. A grafia, divulgada pela mídia, do nome dessa cidade americana é “Nova York”, em que se mistura a grafia portuguesa com a grafia inglesa. Esse hibridismo gráfico parece-me evitável, embora não tão ruim quanto “New Iorque”, que ninguém usa, felizmente. Escreva-se à americana: “New York”; ou à portuguesa: “Nova Iorque”. A mistura de grafias em Nova York, por seu uso generalizado, talvez seja algo a que tenhamos que nos acostumar, embora o adjetivo pátrio correspondente seja nova-iorquino e não “nova-yorkino”...
Reconheço que há interferências inevitáveis de formas estrangeiras não só no léxico, mas no dia a dia. Acho que já “sofremos” com a obrigatoriedade de evitarmos a cedilha, o til e os acentos em nomes utilizados na correspondência eletrônica. Não há como evitar esse desrespeito à nossa ortografia. Mas há casos em que até a formação de palavras portuguesas é infringida oficialmente, sem nenhuma razão plausível. É o caso, por exemplo, de “paralimpíada”. O correto, segundo as normas de derivação do idioma, seria paraolimpíada, como está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e nos bons dicionários de língua. Compare-se paraolimpíada com paraoclusal (e não paraclusal) , paraorvalho (e não pararvalho), por exemplo. Também há na nossa língua interferência absurda e estranha do código de etnólogos quando, em convenção internacional, adota, inadequadamente e também sem nenhum motivo plausível, o desrespeito à formação do plural regular em nomes indígenas nos quais não haja elementos vernáculos, recomendando a não flexão indicativa de plural, como em, por exemplo, os tupi, os caiapó, em vez do os tupis, os caiapós.
Embora eu esteja talvez dando murro em ponta de faca, parece-me que seria melhor lutar contra esses estrangeirismos ou esse desrespeito à língua, a favor de expressões ou de grafias legitimamente vernáculas.